domingo, abril 24, 2005

Machado

Folhas vermelhas amontoam-se pelo passeio. As ameixoeiras abalançam, alcoolizadas, com o choque das correntes de ar. Belas árvores! Leves bocadinhos de água estão a soltar-se no céu e atingir-me a face. Uso este medieval machado de lânguido corte como cajado de apoio à minha peganhenta caminhada. As pontas do machado tilintam com o correr na textura dos pequenos paralelos de basalto da calçada. O seu cansativo peso faz-me concluir precipitadamente que nos combates de outrora, dificilmente poderia ter sido usado com grande destreza e habilidade. A pressão da Tua leve discussão ecoava na minha cabeça como próximos badalares de um grande sino estridente. Sei que a minha calma é preocupante mas nada posso fazer para evaporar este imenso mar que despejaste dentro de mim! Toda a energia agressiva que despertas concentra-se dentro desta infinitamente diluída tranquilidade. Os meus olhos semicerrados sorvem o horizonte. Duas crianças felizes e de mão dada aproximam-se de mim. A alegria de uma bela amizade com mistura de amor inocente inibe-lhes a enzima monoaminaoxidase deixando esta de lhes desactivar os neurotransmissores norepinefrina, serotonina e a dopamina das fendas sinápticas no sistema límbico. Invejável tal acontecimento bioquímico. Num impulso imediato o leve e impiedoso machado da minha colecção ergue-se pendente sobre a minha cabeça. O olhar atemorizado das crianças marca o disparo da adrenalina. Indefesas agarram-se uma à outra, tementes. Num instante o pesado machado corta o ar e o rapaz na diagonal acabando por também atingir fatalmente a jovem. Os dois bocados de rapaz abanam vigorosamente ditando as últimas contracções e espasmos musculares. A rapariga, ainda viva por momentos, esvai-se rapidamente em sangue. Duas crianças jazem agora sobre a calçada branca. A chuva mais grossa aclarava o sangue espalhado e lava o aço da minha arma. Olho tristemente para o que fizeste. Amanhã tratarei de contratar o melhor dos advogados para informar o tribunal que não tiveste culpa. Direi que fraquejaste um bocadinho mas, eles nem contestarão porque serás sempre Tu. A guarda nacional aproxima-se e reconhecem-me cumprimentando com grande respeito e felicidade. Do veículo tiram lenços perfumados para que limpe as mãos confortavelmente. Ouço-os perguntarem-me preocupados se preciso de transporte até qualquer sítio para mudar de roupa e me secar. Recuso a gentileza e peço-lhes para limparem o passeio e também que entreguem uma boa maquia monetária aos pais para lhes pagar os filhos perdidos. Ficam surpreendidos e satisfeitos com tanta caridade de minha parte. Confirmam que cumprirão as minhas ordens e voltam a insistir se não seria melhor levarem-me a algum sítio em que me possa mudar para não seguir com as roupas manchadas. Recuso mais uma vez dizendo que apenas quero terminar o meu passeio e sigo, com uma calma agora profunda e aliviada. As ameixoeiras de folha vermelha estão imóveis. Para que foste negligenciar as minhas reservas de carinho e bondade? Podes e queres sempre evidenciar o meu lado terno mas acabas sempre por escolher o maquiavélico. As portas gigantes abrem-se e as empregadas da casa tratam de mim freneticamente. Vejo-Te ao longe a descer a última escadaria da entrada. Adoro esse vestido com fatias de pérolas cosidas pois parece as escamas de um peixe de diamante. Para sereia só Te falta a cauda de barbatana. Agarras em mim rapidamente e rodopias-me caindo na sala do chão de almofada. Tocas-me com o teu nariz, ainda húmido do banho, no cimo da minha testa e desces por mim abaixo até que, as pontas dos dois narizes se tocam e então me beijas cavernosamente. Adoro esse Teu hábito. A Tua saliva sempre foi a droga que mais me viciou. Alimento-me dela para viver e deixar viverem. Lembro-me de Teres prometido dedicar a Tua vida à honrosa tarefa de me tentares controlar. Na altura era um insignificante potencialmente poderoso. Hoje sou um poderoso potencialmente insignificante. A religião cristã considera-Te a primeira santa viva e não há um humano que não Te conheça. A Tua fama só é igualada pela minha. Todos os dias rezam para que vivas e para que continues a meu lado. Pensar que o início foi tão conturbado. Mergulhávamos em lagos de insultos. Mas na altura a dimensão do nosso amor era outra. A boa sanidade do nosso amor ainda não afectava o mundo. Ainda não viviam apenas para segurar o Teu amor por mim. Cientistas criaram um sol eterno artificial para o nosso território só para que pudéssemos viver em perene primavera. Leis foram criadas para proibir sob pena de morte quem se aproximasse de nós sem sorriso e sem alegria. Quando começou o nosso amor? Muitos anos à frente!

10 comentários:

Anónimo disse...

O texto tem tanto de mágico como de horrendo... um contraste, como tu :)
O amor não justifica tudo...Muito menos a loucura!
Mas arrepia a forma como se adequa ao teu jeito ser.
Transcrevo um poema dos meus poetas preferidos, Fernando Pessoa, sob o heterónimo Álvaro de Campos. Ele, tal como tu, encerra em si diferentes personalidades. Um doce génio e louco... como tu :)

«Dos Lloyd Georges da Babilónia
Não reza a história nada.
Dos Briands da Assíria ou do Egipto,
Dos Trotzkys de qualquer colónia
Grega ou romana já passada,
O nome é morto, inda que escrito.

Só o parvo dum poeta, ou um louco
Que fazia filosofia,
Ou um geómetra maduro,
Sobrevive a esse tanto pouco
Que está lá para trás no escuro
E nem a história já historia.

Ó grandes homens do Momento!
Ó grandes glórias a ferver!
De quem a obscuridade foge!
Aproveitem sem pensamento!
Tratem da fama e do comer,
Que amanhã é dos loucos de hoje!»

Anónimo disse...

PS: O comentário anterior é meu!!!
De Inês :)

Anónimo disse...

olaaaaaa.. pra nunca mais dizeres k nunca comento... adoro a tua escrita... magica cruel e observadora... es um louco doce....
beijo doce lindo

Anónimo disse...

Oi....adorei o texto.. a forma como o descreves-te....e adorei ter percebido k nao sou a unica k cai num mar de insultos!!!! Até ela Ed ...até ela.....
Torna-se assustador perceber o k faxes por amor....torna-se intragavel perceber de k es...... e serás capaz..... E tudo isto so me leva a pensar numa só coisa!!!na intensidade!!!!...a tua intensidade..a tua insatisfação por n a teres neste momento.. precisas de alegria e kd a ves!!!! Não tens coragem p a enfrentar soxinho e assim acabas c ela!! Precisas de outro ser para ser felix...mulher (neste caso)... já te disse isto e torno a referir....tu vais cair ao fundo do poço!!! E mesmo sabendo issuh, n te importas, pois por ela, preferes ser um poderoso potencialmente insignificante.
Por ela recusas-te a subir.....deixas de ter alguem a teus pés mas procuras a felicidade num sol....artificial!!!..pois nem no nosso mundo es capax de viver....loguh a partir dai perceberas k o sol artificial nc te dará o calor merecido.......as pessoas so olharam para ti com um sorriso estereotipadop simplesmente p n verem o machado brilhar sob a cabeça delas!!!
E um dia...... um dia...o sol n brilhará e tu ficaras ténue...pois percebes k sem o sol e sem a felicidade k retiras das pessoa ( a mulher) n te preencherá...e é nesse dia k kero tar presente...kero k sintas a lux do fundo a apagar-se e olhares-me nos olhos, triste e choroso..e dixeres me baixinho “tinhas raxao”!!!! Nesse momento esticarei o braço....somente p te acenar e kd abrir a mao...dela deixarei cair um lirio branco p k leves ctg nessa caminhada a k chama-mos céu!!!!
Meu perfume te assombrará tds as noites...meu olhar te reluzerá kd estiveres na solidão da noite!!nada mais posso faxer a n ser manter vivo akele lirio p k olhas neste momento!!!
Nada mais te poderei dar a n ser uma simples recordação....dos momentos k passas-te com ou sem ela......tds a noites te farei ver o futuro das crianças k matas-te e perceber k so fixeste akilo pk.....eles viviam.....eles ja tinham encontrado o amor...o facto de serem novos e inocentes de nada lhes valeu p serem infelises!!!!
Kt a ti!!!...procuras sempre mais e mais e mais...tremes k alguem te diga nao!!!!k alguem encontre o amor e tu ..NÃO......
Eis a questão que tanto amedronta o nosso poderoso ED!!!.....e eu pergunto...- será k vai ser sempre assim!!!!será k serás sempre o temivel Ed do machado!!!!
Sabes qual a mh resposta??????................um dia vais pegar no machado e enkuanto cortas a cabeça gritas por socorro!!!... mas infelismente.........o teu orgulho será mais forte e a lamina do machado tb........e kd caires de ti sairam lindos lirios brancos perfumados!!!!!brancos...que simboliza a pax k te dei até o momento....perfumados!!! pk veem dentro de ti.....um sre poderoso.........capax de matar.....mas lá no fundo ...........so procurava o amor k nunca teve.....

Beijos........fabia!!!!

Anónimo disse...

oh Edgar,,,,escreves magnificamente..tive pena de não poder dispor de muito tempo para a leitura do teu trcho mas vejo que tem qualidade e um conteudo interessante...escreve,Edgar...escreve..que quem escreve seus males espanta! Diria neste caso o povo..
adoro a forma macabra mas ao esmo tempo meiga e apaixonada como descreves as coisas....gostei!!!...Anika

Anónimo disse...

Essa tu cabeça!!!!!!! nunca se pode prever o que vai sair daí!, mas que imaginação, um cadinho mórbido, mas nunca se consegue para de ler :P ****** ^Erina^

Anónimo disse...

me

Na altura era um insignificante potencialmente poderoso. Hoje sou um poderoso potencialmente insignificante.

esta frase foi retirado do presente texto e penso k demonstra basikament td o k o texto ker dizer na sua essencia.
fala do parado da imobilidad d um tempo k passa e k ninguem vê.as koisas e os atakes konstantes a socieddde kontinuam e nós assistimos.assistimos e pouko ou nada fazemos pa k possam mudar.mt gente fika kom os seus filhos, mt gente fika sem os seus entes mais keridos sukumbidos por uma sociedad liberal e kapitalista k pensa k o dinheiro pode kurar e pagar td.a fama e o dinheiro k mt lobies desta sociedad capitalista adquiriram fazem kom k tds os males e afrontos a sociedad possam ser eskecidos e apagados impunement. justiça korrupta esta em k serve os mais fortes e os maiores e nao td e kalker cidadao.o grande é grade e fika kada x maior e é tratado komo um rei e o pekeno kada x mais pekeno.
alguma skoisas teem d mudar nesta sociedade no sentido d certo e determinados atentados a natureza e ao ser humano sejam rapidament extintos.desnvolvimento sim mas nao a kalker preço.e k akeles k atentao kontra o mundo sejam tbm punidos e k o ter dinheiro e fama nao seja uma deskulpa pa poderem fazer td o k kerem e k dpois lh batam nas kostas komo s nada tivesse akontecido.
peremos k algo mude no sentido d tds serem tratados por igual e k o filhinho do senhor tal nao tenho mais privilegios k o filho do zé povinho nesta sociedad onde o dinheiro e o nome konta bastante mais k o talento d cada um.

mizz_lina disse...

tens uns textos altamentes. complicados, mas é mt fixe ler os pormenores que fazes. continua assim! ;)

Anónimo disse...

Es sempre maquiavélico, mas escreves muito bem.

Anónimo disse...

que texto macabro!mas prendeu me ate ao fim.matar!!ninguem merece que lhes tire a vida,muito menos as inocentes crianças.sou suspeita pra falar nisso :)
{loba}