terça-feira, maio 17, 2005

Prostituta

Tenho dezanove anos e no fundo sou uma prostituta. Um amigo meu, muito rico, leva-me para festas da alta sociedade. Comecei por necessidade. Eu e a minha mãe cega tínhamos que comer para viver. Hoje faço-o porque sempre foi a minha vida. A minha mãe morreu e vivo sozinha. Acho que me posso considerar uma prostituta de luxo. Recebo quantidades exorbitantes de dinheiro e bens. Não tenho casa porque nunca tive. Não tenho carro porque nunca tive. Sou só uma prostituta. Uma prostituta rica. Tive a sorte de não entrar num mundo paralelo a este, o mundo das drogas mas, esteve sempre perto de mim. Vivo nos sonhos e sonho na vida. Procuro o que não quero na esperança de encontrar o que quero. Fujo. Corro, corro caminhos. Estou com homens e mulheres diariamente. Sou a intermediária das suas fantasias sexuais. Finjo prazer para acreditarem que o tenho e para o poderem ter. Os primeiros tempos custaram muito. Tive que abdicar de sentimentos de paixão, amor e carinho. Tive que me aceitar como um corpo e objecto. Revoltava-me que a minha natureza humana me deixasse sentir excitada quando não o queria. Sentia-me mal por gostar de algo que não tinha verdadeiro valor. A prostituição é o único trabalho que dá prazer sem quererem. No fundo é um trabalho como outro qualquer em que vendemos parte do nosso corpo. Em qualquer trabalho vendemos ou alugamos ou a nossa força física ou um direito de uso das nossas características cognitivas. Durante anos fui-me apercebendo da razão pela qual me procuravam. Desejo de variedade. Complexos e frustrações inultrapassáveis. Vontade de uma vida sexual regular. Realização de fantasias não permitidas pela mulher. A mente humana é muito complicada e rica. Pode alguém agarrar um foguete depois de aceso? Um dia tive uma ideia genial. Por quê não fazer o contrário absoluto? Passei a, sempre que encontrava um homem que me desejava, procurar a sua mulher e cobrar para não realizar qualquer acto sexual com o marido. Elas não têm maneira de recusar tal proposta pois sabem que a vontade do homem não é muito fácil de controlar. Evitam portanto a traição do marido. Sempre que contratam os meus serviços, ajudo-as também ensinando algumas tácticas básicas para voltarem a atrair seus esposos. Creio que foi um passo gigantesco. Sinto-me mais útil. Os rendimentos, inesperadamente, ainda cresceram mais. É estranha a associação deste trabalho à perfeição. É como ter uma amendoeira na qual as amêndoas já nascem descascadas e cobertas de chocolate. O mais incrível é que essas mulheres se tornaram grandes amigas. Adoram-me e eu vou crescendo na nata da população acima da média. Fui me tornando conhecida. Já não entro nas festas pelo acompanhante mas sim porque sou convidada. Sou amiga das famílias mais poderosas. Eu? Uma prostituta que nasceu na miséria? Aos vinte e cinco anos sou sem dúvida uma das mulheres mais ricas da zona. Não tenho casa porque nunca tive. Não tenho carro porque nunca tive. Alguns anos passam. O sexo foi apagado da minha vida. Não o pratico à meses e não sinto a falta dele. Apenas sinto um vazio. Uma falta de presença quando fico sozinha. Um dia aconteceu algo que mudou a minha vida. Um rapaz veio ter comigo no fim de uma gala. Afirmou saber que já não sou prostituta e que muito menos ele teria dinheiro que chegasse para mim. Disse que precisava desesperadamente de estar comigo e que me dava em troca uma pintura da sua autoria. Aceitei pela originalidade da situação. Deixei os convidados e recusei os seguranças seguindo com ele pela rua. O rapaz transpirava felicidade e entusiasmo. Perfazia círculos em meu torno enquanto eu caminhava. Notava-se que ainda era muito novinho. Vinte e poucos anos certamente. Ao chegar a um jardim de tulipas salmão apontou e disse que aquelas flores eram todas minhas. Sorri pela sua patetice. Parou à frente de um prédio velho e degradado do centro. Abriu a porta e subimos pelas escadas até ao sótão. É aqui que eu vivo! Ao entrar fiquei estarrecida. Ele vivia num compartimento enorme em que a única mobília e pertença era um velho cobertor e umas latas de tinta. Nunca tinha visto algo assim. Tecto, paredes, chão, janelas e portas todos pintados. O grau de minuciosidade era fantástico. O tecto imitava o céu à noite. Ele representava os tons de luminosidade com tal perfeição que era impossível não acreditar que era mesmo o céu nocturno estrelado. Nas paredes erguiam-se prédios, fontes, estátuas e pessoas. No chão pousavam calçadas, mosaicos e muitos outros pisos de ilusão. Afirmou ser ele o autor. Era sem dúvida algo deslumbrante. Conduziu-me até ao cantinho onde tinha o cobertor. Sentamo-nos no chão duro. Abriu os braços exclamando que aquele era o seu mundo. Abracei-o. Durante horas falamos e falamos. Não tinha família e confessou-me ter nascido com síndroma de imunodeficiência adquirida. Miraculosamente continuava a viver após todos aqueles anos. Realmente o rapaz tinha um aspecto muito debilitado. Perguntei o quê que eu estava ali a fazer. Ele respondeu que via todas as minhas revistas e que sempre sonhou um dia estar comigo. Eu sorri. Ele continuou e disse que hoje era um dia muito importante para ele e que o queria celebrar com a minha companhia. Sem saber bem como, perguntei algo inédito na minha vida. Queres fazer amor comigo? Perguntei sem sequer estar preocupada com os problemas que daí poderiam advir. Ele olhou para mim com um ar sonhador e acenou com a cabeça positivamente. Lamentei o facto de ele não se importar que eu ficasse fatalmente marcada com aquela aventura. No entanto, dado ter sido a primeira vez que me tinha apetecido tal coisa, não vacilei. Despi-o. Despiu-me. Mexi-lhe. Mexeu-me. Deitei-me, tentando arranjar uma posição menos desconfortável no chão duro. Pegou num pincel. Pensei que me ia pintar o corpo. Pintou-me com água. Perguntei a razão de me pincelar com água. Ele sorridente disse que não era água mas sim tinta transparente. Continuou afirmando que pintar-me com cores seria borratar a mais perfeita das pinturas. Pincelou cada fragmento do meu corpo. Guardou o pincel e tirou uma tesoura do casaco. Tocou-me e com muito carinho cortou os meus pelos púbicos rente à pele. Pouco a pouco, ia empilhando todos sobre a minha barriga, no umbigo. Estava curiosa, tanto tinha visto e experimentado mas, tal fantasia nunca tinha ouvido falar. Cortou montinho a montinho. Nada ficou. Procurou até ao fim das minhas cavidades. Olhei para a minha barriga espantada com tanta quantidade. Ele fazia questão de os cortar em pedacinhos pequeninos. Parou. Guardou a tesoura. Pediu-me que não me mexesse e veio-me dar o beijo mais apaixonado e sentido da minha vida. Deitou-se à minha frente. Perguntei se me ia fazer sexo oral. Ele voltou-se para mim com um olhar sonhador. Aproximou devagar a cabeça à minha barriga. Num movimento súbito de respiração, inspirou com toda a força, aspirando o amontoado dos meus pelos púbicos. Levantei-me num ímpeto energético. Ele tossia violentamente e sufocava agonizado. Ficava roxo e rebolava pelo chão. Entrei em pânico. Não sabia o que fazer. Ele estava em colapso. Os olhos cheios de lágrimas. Agarrei-o e soprava tentando dar-lhe ar. Que situação horrível. Acabou por sucumbir. Jazia agora no chão, nu e púrpura. Que morte devastadora. Deve ter sofrido imenso. Chamei a guarda. O corpo foi levado ensacado. Não consegui verter uma única lágrima por tão miserável existência. Que vida aquele pobre coitado teve. Doente, sozinho entre aquelas paredes. O desgraçado estava a celebrar o dia da sua própria morte com a minha companhia. Por isso hoje era um dia importante para ele. Afinal sempre se preocupou com o meu futuro. Passeei toda a madrugada fria, angustiada com aquele momento. Os dias passaram… As coisas infelizmente perdem a sua intensidade com o tempo… Ou felizmente… Um dia, passadas algumas semanas, um senhor bateu-me à porta referindo que precisava falar comigo sobre um bem. Deixei-o entrar. Informou-me que um imóvel tinha-me sido deixado em testamento. Acompanhou-me até lá… O meu coração tremeu ao avistar o prédio onde morava o rapaz… Ele entregou-me a chave e disse que era o sótão daquele prédio… Eu pedi-lhe que fosse embora pois conhecia o lugar… Entrei… A magia daquelas cores perfeitas… A existência da noite no dia… Viveu sempre em noite… Percebi o significado… Ele… Pela minha companhia… Tinha prometido uma... Pintura…

16 comentários:

Anónimo disse...

Ed eu estou sem palavras. Já li muitas coisas tuas,mas de longe considero este o melhor de todos os teus textos! Que imaginação prodigiosa tu tens! O Texto está lindo, poético, emocionei-me. Aqui está retratada uma alma muito sensível, a tua. dizer que adorei o que li, que adorei a musica parece-me muito pouco! A musica é divina, o texto.. bem o texto.. está magnânimo!
Muitos parabéns pela tua "obra" Edzito e começa a preparar o teu livrito, se é que já não tens o esboço na tua gaveta. ;)
Desejo para ti todos os bons sentimentos que me conseguiste transmitir e fazer sentir! :)
Gosto muito de ti
Um grande beijinho

aster disse...

Bem, a história comoveu-me e arrepiou-me. Gostei muito de te ler! Consaegues mexer com a profundidade das nossas emoções.
Continua! :)
Beijinhos

Anónimo disse...

bem ... ED esta lindissimo ..... e mais uma xx vou reeptir akilo k ja foi dito mas foi simplesmente o teu post mais bonito, mais cativante, mais apaixonante que alguma xx li

:) adorei mesmo

continua

BookOwl disse...

Está muito lindo!
Comovedor!

Talvez devesse prestar mais atenção ao que escreves, logo, depois das aulas, se me lembrar vou tentar ler o resto dos posts.

:)
***

Anónimo disse...

Tu és o meu louco e eu sou a tua prostituta exclusiva. Só me negas porque sabes que já sou tua. Eterno conquistador não é? Eu fodo-te e fodo-te todo! Elas enchem-te de elogios mas sou eu quem te fode! Eu deixo o ponto de interrogação para os outros porque tu sabes bem quem sou. Continua a fugir de mim meu homem. Eu apanho-te!

?

Anónimo disse...

:) Muito bonito, e acompanhado pela excelente música que colocaste, ajuda-nos a envolver no ambiente e a sentirmos a historia, a ser um voyeur em presença :)
beijokas * * *

Anónimo disse...

Bem simplesmente lindo.. adorei :)
qualquer coisa de magnifico, sem palavras msm.. so tenho pena da vida q ela levou :S
adorei =)

************************
Lara

Anónimo disse...

Não gostei.

Anónimo disse...

Fantástico !
tens noçao q este texto/conto dava um filme n tens?
está mto, mas mto bom msm. Adorei.
Tás d parabéns (:

*Marta*nanuka*

Anónimo disse...

Simplesmente teu... tão teu este texto! Revojo-te em cada linha do texto... simplesmente fenomenal!
O mais impressionante é que consegues que vivamos o conto em si.
Pedir-te para continuares a escrever é desnecessário...porque não vives sem isso.
Devaneios de um doce e genial louco :)

Inês

mizz_lina disse...

apesar dos comments acima, perdeste imenso a "essencia" k via nos outros textos. s calhar por causa dakela cena... sinceramente, perdeste qualidades com este texto. demasiado brusco apesar d ter adorado o final. ;) mas s é assim k escreves... continua assim;)***

mizz®

Cristina Araujo disse...

pah,se foste tu que escreveste mesmo este texto tens os meus parabens porque raramente me empenho a ler algo e li este psot até ao fim...

Bom trabalho ;)

http://ignoranciaxl.blogspot.com

sapiens disse...

... todos os comentários serão minusculos :S

Jerônimo disse...

Achei numa busca inocente, e acabei lendo um enorme post do tipo que faz a gente fugir com preguiça.
Publique-o!

Anónimo disse...

tou sem palvaras...isto veio a preposito da nossa conversa.podemos ser o que queremos,maus, insensiveis....mas todos queremos amar e ser amados.
acho que me expressei bem :)
{loba}

Anónimo disse...

olha do que já li... este foi o meu preferido.
é muito triste e faz-nos pensar na vida de um modo diferente...
tens uma imaginação muito fertil e isso é bom para ti, continua assim.
beijos da azulinha