sexta-feira, junho 30, 2006

Real

Ao lavar a louça, colapsa sempre o meu aborrecido humor. Deixa sempre os copos finos por lavar. As mãos dele, fortes e grossas e peludas, não cabem dentro deles. Não usa avental. Molha-se todo. Costumo imaginar que este cenário representa um tipo de domesticação de um animal selvagem. Casei com ele mas, pouco sei dele. Provavelmente, foi mesmo essa a razão que me levou a amá-lo. É muito misterioso e isso arrepia-me. Estamos casados há muitos anos e guarda ainda tanta coisa de mim. Sei que tem divisões e compartimentos secretos dispersos pela casa. Nunca me confessou mas, já o encontrei em situações denunciadoras. Atabalhoadamente vocifera mecanicamente que são apenas coisas sem importância que não têm qualquer interesse para mim. Amo-o! Quando estou longe dele, cresce em mim um abismo que me pressuriza como a um claustrofóbico em espaço mingante. Tudo nele se tornou acolhedoramente perfeito. Cada defeitozinho dele se converteu em particularidades que agora considero únicas e imprescindíveis. O corpo dele oxigena o fogo que arde em mim. É o verdadeiro ser dos extremos. Quando conduz tem uma postura tão arrepiantemente agressiva com os outros que, quem visse, e não soubesse a verdade, consideraria que tenho o mais violento dos homens. Assusta qualquer um. Tenho conhecimento que lida com manipulações, chantagens e ilegalidades mas sinceramente pouco me importa. Vivemos num mundo doente em que são essas as regras e mecanismos do singrar e além do mais, ele é tão doce comigo... No máximo fica sisudo e embirrado quando faço alguma asneira. Sinto-me uma pequenina ao lado dele. Aquela seriedade… Quanto orgulho tenho nele! Ai ai… Apita o suspiro denunciante do meu amor. Não me canso de pensar nele. Sei que ele não me ama nem nunca foi apaixonado por mim mas, sei também, que nunca o foi por mais ninguém e nunca o será. É a sua forte maneira de ser. Ao início confundiu-me mas agora sinto-me feliz por ter superado. É o marido utópico. Se pensar a fundo, não há uma única coisa que mudasse nele! Hum… A não ser… Hum… Talvez uma única coisinha…
Já não choviam pingos fortes desde Novembro. Espancam o asfalto numa massagem de transpiração. Aquele tom de céu e virar de temperatura e embaciar de vidros e som estridente de pneu a rolar em molhado num desaparecer de humanos com cheiro a terra húmida. Aquele refrescar de vida… Sinto-me um pouco perdida. Gosto de viver as sensações mas, custa-me a encontrar o significado delas. Bipolaridade! Baixinho se faz favor. Bipolaridade… Palavra terrível que descreve estados por vezes difíceis. É a minha perdição de existência, o meu verdadeiro contracto de permanência de contínua insatisfação em vida. Um querer sem saber sem qualquer objectivo lógico ou intenção de alcance de uma meta. Como uma voz grossa que me açambarca, me envolve e me afoga num lodo que sempre irá passar. É a única vantagem! Passa sempre…
Só o fazer da cama me alivia deste silêncio anunciador de solidão. Não tenho medo, apenas sofro. Já não falta muito para ele chegar. Só a prisão do abraço dele me faz sentir verdadeiramente livre. O peru já começa a tostar e as batatas a dourar. Que bom! Chegou, chegou! Finalmente me inunda aquele cheiro a suor tão dele. Aquela cara de pessoa para poucas conversas, sisudo de arrepiar. Que alegria em ter tudo pronto para o descansar. Como uma criança descrevo voltas em seu torno. Sorriu! Retirou a máscara que usa para o mundo e colocou a cara que tem exclusivamente para mim. Agora vou estar com ele como nunca ninguém está. Até logo.
Acordou, como sempre, mais cansado do que quando se deitou. Bocejando em tronco nu, vê-se ao espelho. As tarjas carmins nas costas fazem-me vibrar as unhas de satisfação como a um escultor diante da sua obra. Sorrio em segredo. Ele entra na casa de banho ao mesmo tempo que eu me sufoco naquela cama de cheiro a nós. Um beijo e uma porta a bater encerraram este momento.
A Dona Maria hoje não está na padaria. Sou atendida por um jovem, neto dela. Muito simpático. Tem dezassete anos. Eles, hoje em dia, crescem tanto que é difícil atribuir uma idade correcta. Uso esta padaria desde que para cá viemos morar. A Dona Maria é uma velhinha simpática. Comi uma tosta mista e bebi um leite morno com groselha. Lentamente caminhei pela calçada. A leve e crónica tristeza da insatisfação. Um cansaço de sempre. Não tenho nada para fazer. Passei pelo estabelecimento do meu irmão. Nunca mais casa o pobre coitado. Não há mulher que tenha paciência para aturar tantas manias. Lá estava ele a falar em voz alta com um cliente espanhol. Ele fala como que em constante discussão. Coitados dos empregados. É um bom e justo patrão mas não é qualquer um que lhe atura o mau feitio. Contratou um rapaz recentemente. É um lindo menino. Encorpado, muito branquinho de olhos e cabelos claros. Está a aprender a arte de canalizador. Dou razão aos pais pois, hoje em dia, mais vale um filho ter uma profissão de serviços imprescindíveis do que um curso qualquer. Despedi-me do meu irmão com a leve impressão que a empregada da caixa ainda acabará por lhe dar a volta à cabeça. Intuição feminina!
Estou tão carente que só me apetece chocolate, um camião cheio de chocolates. Nunca mais acaba esta desesperante fase do mês. Corri para a cozinha para fazer dois bolos. Um pequenino para comer durante o dia e um normal para ficar por abrir para quando ele chegar. Ele vai ter muito que fazer e aturar, logo, dada a maneira como estou. A campainha tocou afastando-me de ideias nefastas à hora em questão. É a minha amiga do peito. Fartei-me de rir quando levantou a toalha de uma cesta e me disse que aqueles patarecos eram para mim. São tão fofinhos mas, eu não tenho onde os pôr! E mudar as ideias àquela chata? Lá deixou os patinhos a um canto. Meti-os numa caixa maior e deixei-os estar sossegados. Retirei os bolos do forno. Que barulheira e cheirinho. Deitei no sofá e adormeci instantaneamente.
Início da tarde! Corri ao bolo esquartejando-o e saboreando aquela droga acalma carências. O cacau deveria ter o nome fruto da mulher. Chegou o jovem canalizador que pedi emprestado ao meu irmão para me ajudar a construir um galinheiro, nas traseiras do terreno, por ele ter conhecimentos de serralharia. Começou a trabalhar. Mentiria se não revelasse a minha voraz sede dele. Sinto-me como uma pedra velha feia cinzenta encostada a uma árvore gigante. Insana fortificava tentativas leves de sedução inexistentes na sua atenção. Por um lado crescia uma raiva pelo fracasso mas, por outro, sorria pela minha perversidade de casada em engates. Não sei o que aconteceria se ele realmente entrasse no jogo. Um jovem…
É bastante hábil. Construiu uma bela gaiola enorme. Aliou a utilidade à estética. Um trabalho realmente espantoso. Estava pronto! Faltava pintar. Em tons de loucura disse-lhe para pintar tudo e para no fim ir ter a casa e entrar à vontade para lanchar. Acenou afirmativamente e eu afastei-me em direcção à casa.
Senti um baque forte no coração quando o vejo a entrar na sala sujo, dentro daquelas roupas esfarrapadas e velhas. Eu jazia, no apogeu do meu encantamento, no sofá na minha melhor roupa interior. Ele olhou e, instantaneamente, caiu a rebolar nos meus braços. Alguns beijos, enroscares e a frieza do inicio do copular animal. Aquela irracionalidade completa do homem sempre me deliciou. A capacidade de ele entrar ali, eu apresentar-lhe o meu mundo e, automaticamente, ele entrar nele sem pensar. É algo estonteante. Ele continuou a fruir de mim concupiscentemente e eu, enovelada em gemidos e movimentos de impulso, vivia felicidade com aroma a tinta. Demorou a terminar mas, tudo tem um fim. Levantou-se devagar e vestiu-se. Senti-me usada pelo simples facto de ele não se ter preocupado em fazer-me uma festa ou mimo depois de tudo mas, adorei tudo isso. Adorei sentir-me usada. Limpei-me e vesti-me também para ele se despedir. Pediu uma fatia de bolo e eu recusei dizendo-lhe que era para o meu homem e levemente enfurecido, saiu porta fora com o dinheiro no bolso.
Meia cambaleante da fúria passada dirigi-me às traseiras e dentro da gaiola, abri um buraco no chão, encaixei-lhe uma bacia cheia de água, espalhei grão e soltei os patinhos. Sai e contemplei um bocado a obra e os animais deliciados com a água.
Ele chega daqui a uma hora, tenho que lhe preparar o jantar. Vou fazer uma massa com quadradinhos de bife de peru. Chorei a cortada cebola e deixei-a cair no azeite quente do tacho baixo e largo. Quando alourou, juntei os quadradinhos de bife de peru. Enchi até meio de água e esperei pelas bolhas da fervura. Com a água em ebulição adicionei aquelas massinhas que não sei o nome mas são em forma de laços. Um bocado de mão de sal, uma pitada imperceptível de pimenta branca, duas colheres de sopa de polpa de tomate, um bom toque de pimentão-doce moído e como não poderia faltar uma boa soprada de orégãos em folha. Assim ficou a cozinhar em lume médio durante vinte minutos. Estando quase a comida pronta, adicionei os cogumelos e baixei a temperatura para terminar até ele chegar.
Entrou e, contente com o cheirinho a massa, abraçou-me. Comemos sossegadamente ao ritmo do telejornal. Desastres e mortes e crises e guerras e mais nada? Não há nada de positivo? Ele terminou e saiu da mesa. Chamei-o para lhe mostrar o bolo e ele retornou logo à mesa com um sorriso. No fim da sobremesa sentou-se no sofá pachorrento. Arrumei a mesa num instante e lavei a louça mais depressa ainda. Fechou as portas para irmos ao café e perguntou quem tinha feito a gaiola. Durante a caminhada pelo recorte do rio expliquei-lhe tudo direitinho. Quase tudo…
Lá estava o famoso café da vila. Os decorativos homens, de cerveja na mão, aguardando não se sabe bem o quê. É tão bom entrar ali protegida pela presença do meu amado. Sentir os olhos de quase todos passarem por mim e, mesmo assim, a permanência do respeito. Sempre detestei café mas, ele nunca o soube. Tomo-o pelo prazer da companhia no momento. Gosta pouco de se perder por ambientes movimentados como tal, viemos logo embora. A noite e o frio já caíram e só ele me apaga o medo ao caminhar pelo trilho. Abrem-se e fecham-se portas e finalmente no nosso acolhedor ninho do amor! Só ali me sinto bem. Não aguento mais. Adormeci.
Acordei mais cedo do que é habitual. Também adormeci mais cedo. Desci e, para o compensar pelos meus desaires, preparei e levei-lhe à cama o pequeno-almoço. Meias laranjas, pão com manteiga, leite, café e três bombons. Ele acordou espantado e disse-me, cortante, que eu estava estranha. Suspirei e deitei-me de novo a seu lado. Assim acaba uma história descritiva com pouco seguimento lógico e sem início ou fim adequado.

9 comentários:

Anónimo disse...

Amo-te! Quando estou longe de ti, cresce em mim um abismo ... Tudo em ti se tornou acolhedoramente perfeito. Cada defeitozinho se converteu em particularidades que agora considero únicas e imprescindíveis. O teu corpo oxigena o fogo que arde em mim. És o verdadeiro ser dos extremos. ... Tenho conhecimento que lidas com manipulações, chantagens e ilegalidades …Vivemos num mundo doente em que são essas as regras e mecanismos do singrar e além do mais, és tão doce comigo... No máximo ficas sisudo e embirrado quando faço alguma asneira. Sinto-me uma pequenina ao teu lado. Aquela seriedade… Quanto orgulho tenho em ti! Ai ai… Apita o suspiro denunciante do meu amor. Não me canso de pensar em ti... É a tua forte maneira de ser. Ao início confundiste-me mas agora sinto-me feliz por ter superado. Se pensar a fundo, não há uma única coisa que mudasse em ti! …………………… Já não falta muito para chegares. Só a prisão do teu abraço me faz sentir verdadeiramente livre. … Que bom! Chegou, chegou! Finalmente me inunda aquele cheiro a suor tão dele. … Como uma criança descrevo voltas em teu torno. Sorriu! Retiras a máscara que usas para o mundo e colocas a cara que tens exclusivamente para mim. Agora vou estar contigo como nunca ninguém está. …………………….… Estou tão carente que só me apetece chocolate, um camião cheio de chocolates. Nunca mais acaba esta desesperante fase do mês. … Ele vai ter muito que fazer e aturar, logo, dada a maneira como estou… ……………………………………………………… Abrem-se e fecham-se portas e finalmente no nosso acolhedor ninho do amor! Só ali me sinto bem contigo….

Da tua história a minha declaração a ti, a terminar como comecei AMO-TE!

PS.: Traições NÃO!

by eLiShe

Anónimo disse...

< AntimAteriA > nastenka deixas la assim: Ola passei por aqui. So queria dizer q es o gajo mais lindo do mundo e escreves mm mm bem. adoro te e so n te digo q te amo para n parecer mal. beijinhos anna K

ponto 1. ja te disse o que achava do texto

ponto 2. ainda bem que nem me obrigas a comentar isto nem nada

ponto 3. eu estava a usar o nick Nastenka e o outro n é anna K, mas sim Anna_Karenina. queria pedir lhe o favor de o escrever correctamente ..

ponto 4. ainda bem que ha um botao para parar a musica :)

ponto 5. é pena que demores tanto a postar qualquer coisa nova.

**

Anónimo disse...

Oubá
... que texto...tipicamente TEU...
quem fala contigo sabe bem o quanto és confuso... nem tu próprio sabes o que queres... crias barreiras que, enfim.... tu lá sabes da tua vidinha...esse egocentrismo hiperbólico (?ui que coisa...) é doentio LOL - Edgarcentrismo....
uia, uia... já sei que vou ouvir uma coisa do género... Tu amas-me... Lol... carragadas de lols.. . enfim... coisas estranhas... será que encontraste alguém à tua medida? Humm... peste

Deixo-me de coisas:
É A TUA FORTE MANEIRA DE SER BEBE...

Da tua imatura, a quem decidiste dedicar as tuas loucuras (merecia mais, mas prontus :))

Anónimo disse...

Isto não é comentário... Foi só pa estragar o cenário de fantasia (esta vida é cruel e a eu a cruela)LOL

Vá lá.... promete que te vais portar como um homenzinho para eu te adicionar. Faz-me falta FALAR contigo...
Não digas parvoices sabes bem que somos muito parecidos.....e isso também te assusta...

Anónimo disse...

bem , ed, não sei o que te diga. Realmente comentar-te nunca foi um forte meu. é complicado.

Os teus textos são arrebatadores, com principio meio e fim.
contem um monte de sentimentos, ilusões ou desilusões.

um beijo pois as palavras vão se perdendo por aqui
*

Anónimo disse...

És e vais ser sempre um filho da puta ordinário e egocêntrico demais para sentires amor por alguém que não tu próprio... Uma vida assim deve ser triste... Sugas tudo de bom que há nos outros...

Adeus e até nunca mais!

Anónimo disse...

Caramba... o 6.º comentário é brutal. "Sugas tudo de bom que há nos outros."Que que andaste a fazer?
Não ganhes juízo.

Anónimo disse...

ha cada uma...lol...


Catarina Taborda

Anónimo disse...

LOOOOOOOOOOOOOOOOOOOL