segunda-feira, fevereiro 19, 2007

Excesso

Início inicial. Primeiro início. Não deixa de ser aprazível acompanhar de perto a tua evolução. Mais do que companhia se calhar dei-te um nome de direito. O olhar foge-me para os condenados, em tempo, familiares, blocos de vidro. Reflectem a luz colorida da telenovela da televisão de sempre. Sim, isto está mais vazio. Todos estes armários de vidro recolhem simples pó. A descoberta de terra nova sempre enrodilhou dúvida e receio. Os passos foram premedidos. Sim, sempre fui exigente e metálico. Rígido, inflexível e acima de tudo brilhante. Fazem aqui falta as belas fantasias de outrora. Só posso dar o que tenho. Considero que cresci. Mas não sei se tenho a razão. Acho que cresci mas, não tenho bem a certeza. Sei que vivi. Na realidade a vida melhorou um bocado mas, está difícil. Os mundos andam agressivos e eu também. Não sei se é uma luta desigual mas sei que o texto é entediante. Não vai dizer nada. Destina-se a guardar não sei bem o quê. Acho que a esta incógnita de valores se costuma chamar arte. O telemóvel não vibra. O telefone não emite a cacofónica sinfonia habitual por vezes confundida com o refrão de alguma letra popular mais comum. O cigarro está quase a terminar. Não fumo? Mas eu disse que entrava? Ou entro e só estou a baralhar tudo? Que importa? O cigarro está quase a terminar. O bafo quente da erva apapelada chama o frio renovador do ar da janela. Ainda me lembro do dia em que inocentemente lhe partiste o manípulo. Primeiro fim.
Segundo início. As emoções de tão estagnadas parecem enrolar-se num turbilhão cada vez mais complicado de segurar. Não sei bem o que queres mas, a tua fuga vencida à linha equatorial, entrou em regressão. Estou deveras preocupado mas, acho que ainda não deste conta de nada. Se calhar nem seria caso para isso. Sei que estás a pisar território íngreme. Também será disso. Mas está complicado, a sério que está. Até a escrita... Até a escrita reflecte a pressão esmagadora que ando a combater. Tu não tiveste culpa e se calhar eu tenho. Uma mistura, uma grande mistura de tudo. Uma perdição sem achar. Uma contaminação de frases pequenas. O passado é que segura tudo. Mas o futuro… O futuro é tão pecaminoso… E o presente? Absolutamente instável? Fogo! Tinha que ser agora? Tinha? Mas quem dirige esta porcaria toda? Quem escolhe os momentos de acção? Pode considerar-se despedido e com ordem paga de assassínio. Que nunca me apareça à frente! Estou desagradavelmente calmo e tão preocupado! Eu nem sei o que escrever. Estou cercado. Só me apetece gritar e no entanto esta escrita é muda. Isto está um caos. Ninguém entende. Sou eu que estou aqui. Que maldita pressão. Não consigo mudar de assunto. Sim! Loucura sim! Mas uma realidade assustadora. Eu não uso fins-de-semana, pontes ou ainda feriados. Uma sede de fim. Nunca ninguém deve querer tanto. Isto é uma doença. Enveredar pelo caminho vermelho? E os encontros? Vou vencer todas as batalhas? Vou encostar? E se encostar vou aguentar? E depois? E depois terá lógica pensar no passado? É isso que devo fazer? Dúvidas na minha mente? Estamos no fim do mundo! Mas, mas... Lá fora está tudo tão calmo… Aquelas suaves e enérgicas andorinhas rodopiam e rodopiam em torno das cabeças dos prédios e tornam e tornam e tornam a rodopiar. Será que elas estão preocupadas com este cataclismo? Lá em baixo a velha ameixoeira com o medo ainda nem expôs rebentos. E o maldito lago? Para quê que o homem o cobre sempre? Incomodam-lhe pétalas e folhas na água? Está listado. Tinha que desabafar nestes tons de loucura. Isto não é escrita. Isto não é escrita. São controlos isobáricos impulsivos. Inspirar. Expirar. Inspirar. Expirar. Calma. Calma que isto tudo se resolve. Mas resolve-se para quê? Qual o lucro de tanto esforço? Olha estúpido, olha para toda aquela alcalinidade de ser, lá em baixo. E eles também existem! Eles também sorriem e andam pela rua. E estão como tu? Mas este foi o caminho que eu escolhi. Para quê que o escolhes-te? Eu acredito que no futuro ainda vais mudar de opinião e nessa altura eu vou-te esmagar como uma noz entalada num quebra-nozes. É este o teu destino. Palavra do senhor. Segundo fim.
Terceiro início. Esta mesa fria de mármore. Só ela me sabe amparar os braços. A tua dedicação foi tão forte. Pior que tudo, só tu me soubeste amar. História após história, aparecem na minha mente. Ai ai. Ninguém. Não há ninguém como tu. Mas, mas… Eu lutei toda a vida para te ter e agora empenho-te? Em troca de quê? De nada? Um valor como tu. Se calhar o que me preocupa é seres um valor impeditivo de outros valores. Mas esses valores são incertos. Vou mergulhar outra vez em areias desconhecidas? Que raio fazes? Seria normal quereres um fim. Então que esperas? É que estás a confundir-me. Não estou habituado a ser eu a levantá-lo. E eu não o vou fazer. Não o vou fazer porque a vontade é muita e isso revela a asneira certa. Já viste o tempo que durou? E o tempo que vai durar? Isto não deveria ser alegria? Maldita distância anda-me a deixar ainda mais louco. Logo, sim logo, ou não. E eles? Eu sei que eles todos vão estar lá e eu não quero. Mas eu vou. Eu vou. Não há ninguém tão forte quanto eu. Calma. Recupera. Calma. Força. Lindo. Aguenta. Sim. Tu consegues. Conseguiste. Parabéns. Terceiro fim.
Quarto início. Li o texto do início ao fim. Estou aterradoramente assustado. Vou ter receio em ler comentários. Quarto fim. Fim final.

quarta-feira, dezembro 20, 2006

Reflexões

I
O som das velhas velas brilha pelas paredes. A escuridão torna impreciso o teclar mas, antes fosse esse o problema. Uma força inibitória de imaginação e criação. Os meses sem registos passam e, o abismo entre os espectadores e o espectáculo funda ao fundo da maior profundidade. Será o fim desta arte? O antigo e limpo fogo terá findado e esfriado o muro de labaredas criado por minhas dádivas? Não sei. Que a nova tentativa comece!
O som? São violinos enrodilhados em contrabaixos, encruzilhados em violoncelos, emaranhados em guitarras e baixos. Entrançados de cordas e mais cordas. Ao longo do tempo, comentários de riquíssimas índoles foram colados no que poderia ser considerado um interessante calhamaço. Desde insultos a ideias, desde apoios até pejores, desde entradas furtivas a silêncios para sempre guardados e consequentemente para sempre esquecidos. Apesar do vultoso número impulsionar-me o ego em forma algébrica de fama, sou sincero, pouco ou nada retirei de qualquer um deles. Nenhum deixei de ler e a todos dei a minha dedicada atenção, mas, simplesmente não tive vontade de alterar nada. Cada texto está absolutamente impregnado com partes sinceras da minha vida real e das minhas vidas imaginárias. Seria um insulto chamar de história a algum deles. São, e sempre serão, momentos vividos para recordar ou para os viver assim que o seja possível. A minha obrigação é simplesmente de o promover a nível de número de leitores e nunca a nível de qualidade. Não podem ser julgados ou enquadrados nalguma pirâmide de valores dada a tamanha riqueza de omnidiversidade dogmaticamente presente. Por vezes, paro de escrever e releio desde o início. Adoro o encaixe e sonância de todas as palavras. Sabe bem poder deixar algo sem a preocupação de agradar.
Ultimamente tenho vivido ao sabor do tempo, o meu tempo. Tenho lutado, vencido dia após dia e sinto que cada mês que passa, avanço um ano na minha vida. Encontrei uma paz que demorei muito a alcançar. Esta vida rege-se por regras e sistemas impostos em que o único desafio é descobri-los para se os poder aplicar.

II
As pessoas, lá em baixo, passam frenéticas sem conhecerem o meu vigiar. Param em lojas observando qualquer coisa que fique bem ou que vá agradar à pessoa que se calhar melhor bem lhe quer. Estradas desenham-se no meu mapa cerebral. O destino é só um e, apenas varia a pretensa hora de chegada e o teor temático ambiental do roteiro. Ainda continuam a rodar frenéticas em torno das prisões de vidros dos itens da gula. Existe uma força estrondosa que não se vê mas movimenta e controla sociedades.
É engraçado voltar a esta agora descontrolada solidão. Sim, são dois dias. É um bocado estranha esta leveza de espírito. O pior de tudo é saber que na verdade só eu tenho a força mas, de nada me serve sem o teu carregar de botão. Ando demasiado pensativo. Pior que tudo, tornei a escrever. Ando demasiado pensativo. A preocupação pode ser controlada? A intensidade cognitiva não tento. Vocês estão perdidas no meu tempo e continuo a limpar o pó das vossas etiquetas de arquivo. Não sei bem qual a razão. Não sei. Parei este bocado para escrever. Está a ser complicado manter a lucidez da linguagem. Só estou a tentar desenhar as minhas ideias. Tu queres tudo, principalmente o firmar das tuas raízes de género. Eu, eu quero sei lá bem o quê. Sei que estou mais próximo do que quero. Sinto-o. Sinto-o, também longe. Mas estou mais perto. Também estou mais perto de queimar significados deixando na mesma indícios de ideias em palavras secas de fluido vital. Não me estas a deixar segurar o esqueleto de amanhãs. Está tão inseguro. E tu que também estás longe, já te sentes mais leve? Já clarificaste as ideias. Hum, tenho medo que me considerem louco, louco a sério. Sinto-me grande, cada vez maior e o melhor é que estou mesmo. Um ego desmesurado cada vez mais realista e frutífero. Estou confuso e, no entanto, não vacilo um micrómetro. Não tenho bem a certeza e tenho algum receio mas, sei e vou. Posso caminhar um pouco por entre estes relógios e relíquias do tempo das vidas que já passaram. Estes objectos que não me largam e muito menos me agarram.
Sim, se calhar, qualquer coisa!
Eu volto mas tu não.

III
Peço desculpa pela perda de tempo.

sexta-feira, junho 30, 2006

Real

Ao lavar a louça, colapsa sempre o meu aborrecido humor. Deixa sempre os copos finos por lavar. As mãos dele, fortes e grossas e peludas, não cabem dentro deles. Não usa avental. Molha-se todo. Costumo imaginar que este cenário representa um tipo de domesticação de um animal selvagem. Casei com ele mas, pouco sei dele. Provavelmente, foi mesmo essa a razão que me levou a amá-lo. É muito misterioso e isso arrepia-me. Estamos casados há muitos anos e guarda ainda tanta coisa de mim. Sei que tem divisões e compartimentos secretos dispersos pela casa. Nunca me confessou mas, já o encontrei em situações denunciadoras. Atabalhoadamente vocifera mecanicamente que são apenas coisas sem importância que não têm qualquer interesse para mim. Amo-o! Quando estou longe dele, cresce em mim um abismo que me pressuriza como a um claustrofóbico em espaço mingante. Tudo nele se tornou acolhedoramente perfeito. Cada defeitozinho dele se converteu em particularidades que agora considero únicas e imprescindíveis. O corpo dele oxigena o fogo que arde em mim. É o verdadeiro ser dos extremos. Quando conduz tem uma postura tão arrepiantemente agressiva com os outros que, quem visse, e não soubesse a verdade, consideraria que tenho o mais violento dos homens. Assusta qualquer um. Tenho conhecimento que lida com manipulações, chantagens e ilegalidades mas sinceramente pouco me importa. Vivemos num mundo doente em que são essas as regras e mecanismos do singrar e além do mais, ele é tão doce comigo... No máximo fica sisudo e embirrado quando faço alguma asneira. Sinto-me uma pequenina ao lado dele. Aquela seriedade… Quanto orgulho tenho nele! Ai ai… Apita o suspiro denunciante do meu amor. Não me canso de pensar nele. Sei que ele não me ama nem nunca foi apaixonado por mim mas, sei também, que nunca o foi por mais ninguém e nunca o será. É a sua forte maneira de ser. Ao início confundiu-me mas agora sinto-me feliz por ter superado. É o marido utópico. Se pensar a fundo, não há uma única coisa que mudasse nele! Hum… A não ser… Hum… Talvez uma única coisinha…
Já não choviam pingos fortes desde Novembro. Espancam o asfalto numa massagem de transpiração. Aquele tom de céu e virar de temperatura e embaciar de vidros e som estridente de pneu a rolar em molhado num desaparecer de humanos com cheiro a terra húmida. Aquele refrescar de vida… Sinto-me um pouco perdida. Gosto de viver as sensações mas, custa-me a encontrar o significado delas. Bipolaridade! Baixinho se faz favor. Bipolaridade… Palavra terrível que descreve estados por vezes difíceis. É a minha perdição de existência, o meu verdadeiro contracto de permanência de contínua insatisfação em vida. Um querer sem saber sem qualquer objectivo lógico ou intenção de alcance de uma meta. Como uma voz grossa que me açambarca, me envolve e me afoga num lodo que sempre irá passar. É a única vantagem! Passa sempre…
Só o fazer da cama me alivia deste silêncio anunciador de solidão. Não tenho medo, apenas sofro. Já não falta muito para ele chegar. Só a prisão do abraço dele me faz sentir verdadeiramente livre. O peru já começa a tostar e as batatas a dourar. Que bom! Chegou, chegou! Finalmente me inunda aquele cheiro a suor tão dele. Aquela cara de pessoa para poucas conversas, sisudo de arrepiar. Que alegria em ter tudo pronto para o descansar. Como uma criança descrevo voltas em seu torno. Sorriu! Retirou a máscara que usa para o mundo e colocou a cara que tem exclusivamente para mim. Agora vou estar com ele como nunca ninguém está. Até logo.
Acordou, como sempre, mais cansado do que quando se deitou. Bocejando em tronco nu, vê-se ao espelho. As tarjas carmins nas costas fazem-me vibrar as unhas de satisfação como a um escultor diante da sua obra. Sorrio em segredo. Ele entra na casa de banho ao mesmo tempo que eu me sufoco naquela cama de cheiro a nós. Um beijo e uma porta a bater encerraram este momento.
A Dona Maria hoje não está na padaria. Sou atendida por um jovem, neto dela. Muito simpático. Tem dezassete anos. Eles, hoje em dia, crescem tanto que é difícil atribuir uma idade correcta. Uso esta padaria desde que para cá viemos morar. A Dona Maria é uma velhinha simpática. Comi uma tosta mista e bebi um leite morno com groselha. Lentamente caminhei pela calçada. A leve e crónica tristeza da insatisfação. Um cansaço de sempre. Não tenho nada para fazer. Passei pelo estabelecimento do meu irmão. Nunca mais casa o pobre coitado. Não há mulher que tenha paciência para aturar tantas manias. Lá estava ele a falar em voz alta com um cliente espanhol. Ele fala como que em constante discussão. Coitados dos empregados. É um bom e justo patrão mas não é qualquer um que lhe atura o mau feitio. Contratou um rapaz recentemente. É um lindo menino. Encorpado, muito branquinho de olhos e cabelos claros. Está a aprender a arte de canalizador. Dou razão aos pais pois, hoje em dia, mais vale um filho ter uma profissão de serviços imprescindíveis do que um curso qualquer. Despedi-me do meu irmão com a leve impressão que a empregada da caixa ainda acabará por lhe dar a volta à cabeça. Intuição feminina!
Estou tão carente que só me apetece chocolate, um camião cheio de chocolates. Nunca mais acaba esta desesperante fase do mês. Corri para a cozinha para fazer dois bolos. Um pequenino para comer durante o dia e um normal para ficar por abrir para quando ele chegar. Ele vai ter muito que fazer e aturar, logo, dada a maneira como estou. A campainha tocou afastando-me de ideias nefastas à hora em questão. É a minha amiga do peito. Fartei-me de rir quando levantou a toalha de uma cesta e me disse que aqueles patarecos eram para mim. São tão fofinhos mas, eu não tenho onde os pôr! E mudar as ideias àquela chata? Lá deixou os patinhos a um canto. Meti-os numa caixa maior e deixei-os estar sossegados. Retirei os bolos do forno. Que barulheira e cheirinho. Deitei no sofá e adormeci instantaneamente.
Início da tarde! Corri ao bolo esquartejando-o e saboreando aquela droga acalma carências. O cacau deveria ter o nome fruto da mulher. Chegou o jovem canalizador que pedi emprestado ao meu irmão para me ajudar a construir um galinheiro, nas traseiras do terreno, por ele ter conhecimentos de serralharia. Começou a trabalhar. Mentiria se não revelasse a minha voraz sede dele. Sinto-me como uma pedra velha feia cinzenta encostada a uma árvore gigante. Insana fortificava tentativas leves de sedução inexistentes na sua atenção. Por um lado crescia uma raiva pelo fracasso mas, por outro, sorria pela minha perversidade de casada em engates. Não sei o que aconteceria se ele realmente entrasse no jogo. Um jovem…
É bastante hábil. Construiu uma bela gaiola enorme. Aliou a utilidade à estética. Um trabalho realmente espantoso. Estava pronto! Faltava pintar. Em tons de loucura disse-lhe para pintar tudo e para no fim ir ter a casa e entrar à vontade para lanchar. Acenou afirmativamente e eu afastei-me em direcção à casa.
Senti um baque forte no coração quando o vejo a entrar na sala sujo, dentro daquelas roupas esfarrapadas e velhas. Eu jazia, no apogeu do meu encantamento, no sofá na minha melhor roupa interior. Ele olhou e, instantaneamente, caiu a rebolar nos meus braços. Alguns beijos, enroscares e a frieza do inicio do copular animal. Aquela irracionalidade completa do homem sempre me deliciou. A capacidade de ele entrar ali, eu apresentar-lhe o meu mundo e, automaticamente, ele entrar nele sem pensar. É algo estonteante. Ele continuou a fruir de mim concupiscentemente e eu, enovelada em gemidos e movimentos de impulso, vivia felicidade com aroma a tinta. Demorou a terminar mas, tudo tem um fim. Levantou-se devagar e vestiu-se. Senti-me usada pelo simples facto de ele não se ter preocupado em fazer-me uma festa ou mimo depois de tudo mas, adorei tudo isso. Adorei sentir-me usada. Limpei-me e vesti-me também para ele se despedir. Pediu uma fatia de bolo e eu recusei dizendo-lhe que era para o meu homem e levemente enfurecido, saiu porta fora com o dinheiro no bolso.
Meia cambaleante da fúria passada dirigi-me às traseiras e dentro da gaiola, abri um buraco no chão, encaixei-lhe uma bacia cheia de água, espalhei grão e soltei os patinhos. Sai e contemplei um bocado a obra e os animais deliciados com a água.
Ele chega daqui a uma hora, tenho que lhe preparar o jantar. Vou fazer uma massa com quadradinhos de bife de peru. Chorei a cortada cebola e deixei-a cair no azeite quente do tacho baixo e largo. Quando alourou, juntei os quadradinhos de bife de peru. Enchi até meio de água e esperei pelas bolhas da fervura. Com a água em ebulição adicionei aquelas massinhas que não sei o nome mas são em forma de laços. Um bocado de mão de sal, uma pitada imperceptível de pimenta branca, duas colheres de sopa de polpa de tomate, um bom toque de pimentão-doce moído e como não poderia faltar uma boa soprada de orégãos em folha. Assim ficou a cozinhar em lume médio durante vinte minutos. Estando quase a comida pronta, adicionei os cogumelos e baixei a temperatura para terminar até ele chegar.
Entrou e, contente com o cheirinho a massa, abraçou-me. Comemos sossegadamente ao ritmo do telejornal. Desastres e mortes e crises e guerras e mais nada? Não há nada de positivo? Ele terminou e saiu da mesa. Chamei-o para lhe mostrar o bolo e ele retornou logo à mesa com um sorriso. No fim da sobremesa sentou-se no sofá pachorrento. Arrumei a mesa num instante e lavei a louça mais depressa ainda. Fechou as portas para irmos ao café e perguntou quem tinha feito a gaiola. Durante a caminhada pelo recorte do rio expliquei-lhe tudo direitinho. Quase tudo…
Lá estava o famoso café da vila. Os decorativos homens, de cerveja na mão, aguardando não se sabe bem o quê. É tão bom entrar ali protegida pela presença do meu amado. Sentir os olhos de quase todos passarem por mim e, mesmo assim, a permanência do respeito. Sempre detestei café mas, ele nunca o soube. Tomo-o pelo prazer da companhia no momento. Gosta pouco de se perder por ambientes movimentados como tal, viemos logo embora. A noite e o frio já caíram e só ele me apaga o medo ao caminhar pelo trilho. Abrem-se e fecham-se portas e finalmente no nosso acolhedor ninho do amor! Só ali me sinto bem. Não aguento mais. Adormeci.
Acordei mais cedo do que é habitual. Também adormeci mais cedo. Desci e, para o compensar pelos meus desaires, preparei e levei-lhe à cama o pequeno-almoço. Meias laranjas, pão com manteiga, leite, café e três bombons. Ele acordou espantado e disse-me, cortante, que eu estava estranha. Suspirei e deitei-me de novo a seu lado. Assim acaba uma história descritiva com pouco seguimento lógico e sem início ou fim adequado.

segunda-feira, abril 10, 2006

Triálogo

Acto I

Demónia: Esquece-a de uma vez por todas!
Anja: Nem penses! Ela é a mulher da tua vida!
Demónia: Mulher da vida dele? Estás a gozar? É ela que o consola quando ele está triste?
Anja: Calma. Ainda é tudo muito cedo!
Demónia: Calma é para os falhados! Segue a tua vida rapaz, tens um futuro brilhante à tua espera!
Anja: O futuro dele será ainda mais brilhante com o amor dela.
Demónia: Tretas! Ela é só mais uma, tal como todas as outras!
Anja: Não! Esta é especial. Eles encaixam muito bem.
Demónia: E o que importa isso? A cabeça dela só gira à volta do que a deixou. As mulheres são assim mesmo. Fúteis! São incapazes de escolher o que é melhor para elas. Vai estar ele a sofrer por alguém que não sabe reconhecer o seu valor? Esquece-a!
Anja: Ela luta por ele. Podia lutar mais mas, de qualquer modo ela luta!
Demónia: Não o suficiente! Ela nunca prescindiu de nada por ele!
Anja: Ela está numa fase difícil da vida dela. Só isso!
Demónia: Tretas! Ele esteve dias e dias a dar-lhe a pureza do seu carinho e ela reconheceu isso? Ela apenas o usou para ver se arranjava força para esquecer o outro. Ela não gosta dele. Ele é demasiado perfeito para que ela o possa amar!
Anja: Não. Estás errada. Ela quando se entrega, entrega-se mesmo e por isso é que ainda não o esqueceu!
Demónia: Pá, usa mas é as tuas capacidades para fazeres o que já comprovaste que consegues! Faz como os outros mas, ainda melhor! Vai usando, afinal de contas, elas até te agradecem por as magoares. É o que elas gostam!
Anja: Não sejas louco! Não é por todos serem fracos que tu também te vais estragar…
Eu: Mas… Sabes que ela tem razão nisso… Elas gostam e só se entregam a quem as faz sofrer…
Demónia: Isso mesmo! Esquece-a! Ela que fique lá com o outro na ideia! Que seja muito feliz e que chore muito quando entender o que perdeu! Aliás, ela nem entenderá isso!
Anja: Se quiseres fazer o que ela diz estás à vontade mas, tu não penses que estas coisas são fáceis. Eu já sei que realmente parvinhas não te têm faltado mas, pode ser que desta vez seja diferente!
Demónia: Vai ser, vai! Está à vista! Tu és superior a isso tudo rapaz, tu tens força para saber o que é melhor para ti por isso, não desperdices o teu tempo! Ela é um caso perdido!
Eu: Pois… Se calhar… A verdade é que realmente não estava bem à espera disto… O que tem acontecido…
Anja: Aguenta-te! Aguenta que eu sei que ela depois compensa-te…
Eu: Compensa? Ainda agora falei com ela ao telemóvel e ainda considera que estamos no início de uma amizade! Amizade? Ainda por cima início? Se realmente os inícios de amizade dela fossem comparáveis a isto então ela teria amigos estrondosamente diferentes dos que tem… Bah! Disse-me para ir dando notícias...
Demónia: Ir dando notícias? Ah ah ah. Só pode estar a gozar! Faz o que quiseres pá mas, eu já te disse qual é a minha opinião! Convence-te de vez que o amor não existe. És tão inteligente que só tu e mais meia dúzia vê isso. O mundo anda convencido que são amados e que amam. Ilusão!
Anja: Se calhar, a maior parte do mundo até anda mesmo iludido a pensar que ama e que é amado mas, é perfeitamente possível ele ter amor! Não penses que por ser inteligente e diferente está condicionado. Pelo contrário! Ele pode criar uma relação muito mais perfeita que os outros!
Demónia: Pois pode! Dizes bem, pode! Para isso seria preciso uma mulher suficientemente especial para que tudo desse certo! E não é esta, posso-te garantir!
Anja: Sabes lá… És só uma demónia! Queres apenas que tudo corra mal!
Demónia: Mal? Eu apenas sou leal e quero protegê-lo enquanto que tu só o tentas empurrar para mais um lodaçal.
Eu: Não sei… Estou muito confuso… E vocês também não estão a ajudar grande coisa…
Anja: Lembras-te quando adormecias com as belas mensagens dela? Lembras-te do sorriso que tinhas no domingo? Lembras-te como trabalhavas todo contente e esforçado? E quando acordavas ansioso à procura de uma nova mensagem no telemóvel? E também te lembras como ias todo esperançado para o jantar?
Demónia: Lembras-te como vieste destroçado do jantar? Lembras-te como ela fez de conta que nem lá estavas? Não era em ti que ela estava interessada quando estava no jantar! Estavas lá tu, feito parvinho, com as melhores das intenções e ela com o coração a pular pelo outro totó! Lembras-te de ela assumir alguma coisa mais do que um mero início de amizade contigo? Eu também não! Lembras-te do que sofreste ontem? De como te sentiste perdido e desabrigado e sem rumo? Fui eu quem te amparou ontem! Fui eu quem te recolhi no meu peito! Já te esqueceste?
Eu: Não… Não esqueci…
Demónia: Queres voltar ao passado? Andar por ai carente e dependente de alguém que te dê carinho? Como um miserável e triste quando na verdade és esse ser magnífico? Já viste que nesta história toda o verdadeiro especial és tu? Já deste conta que és o único capaz de realmente fazer feliz alguém? Já pensaste no pai perfeito que podes ser? O marido inigualável que serás? As condições, a todos os níveis, que poderás proporcionar a uma mulher? Achas mesmo que és tu quem precisa de procurar alguém? Achas? Manda-as às favas! Tu podes ter as que quiseres! Pode não ser do modo que queres mas, esquece isso! Que importa que no dia seguinte ela não esteja lá? No dia seguinte aparece outra! E algumas vão sempre ficando. Que queres mais? Ganha juízo!
Anja: Não sei o que dizer…
Eu: Nem eu…
Demónia: Pois eu sei! Digo-te que sigas em frente!
Eu: Mas…
Demónia: Não há mas nem meio mas! Segue!
Anja: Acredita que esta é diferente. Eu sei que é…
Demónia: Ela quer é saber da vida dela. Alias nem quer porque, se quisesse, ela ia era a correr atrás de ti. Mas não… O amor não é assim… Não se escolhe de quem gosta… Bla bla bla… O tanas!
Anja: Eu sei que ela gosta muito de ti! Dá-lhe tempo… Tu nunca dás tempo… Nem todos tem as tuas bases de vida e capacidades para poderem seguir ao teu ritmo. Abranda lindo e espera um bocadinho pelo carinho dela. Aposto a minha vida como o carinho dela vai chegar!
Eu: Apostas a tua vida? Cá para mim bem que vais desta para melhor e deixas-me entregue às ideias da demónia e depois é que vai ser bonito vai…
Demónia: He he he. Ias passar a estar bem melhor e mais feliz! Acredita!
Anja: Eu estou cem por cento certa do que digo. Arrisca!
Demónia: És só mais uma frustrada e chanfrada que andas aí. Sabes lá tu o que dizes… Não és nada nem ninguém! Nunca conseguiste encontrar a felicidade para ti e vais conseguir encontrá-la para ele? Resume-te à tua insignificância. Quase que me dá vontade de o deixar dar-lhe uma hipótese só mesmo para depois te ver definhar e bater com as botas a ver se deixo de te aturar sua reles coisinha.
Anja: Não é a ofenderes que me eliminas!
Demónia: Isso pensas tu! O teu fim está mais perto do que imaginas.
Anja: Vai mas é trabalhar lindo, ganhar a vida e deixa a menina ir com calma. Deixa-a procurar-te. Ela vem ter contigo. Não te preocupes.
Demónia: Vem nada! E se vier corre-a! Trata-a mal! Espezinha-a! Ela merece! Se calhar a partir daí já se decidiria e já te amaria. Se calhar está mesmo é a faltar um bocado de pancada e maus-tratos! Ela não vem ter contigo. Ela sabe que fez asneira e não tem coragem para dar a cara e te aparecer. Se calhar… Se aparecesse ate mudaria as minhas ideias dela. Se realmente ela mudasse e corresse para ti. Mas isso não vai acontecer.
Anja: És tão derrotista e pessimista! Só pensas em fazer mal. Por ti tudo o que é bom não pode acontecer.
Demónia: Cala-te estúpida! Eu quero o que é bom para ele. Se ele levar a vida que eu lhe desejo não precisa de sofrer nunca mais. És uma mísera existência que a única coisa que tem de jeito são as roupas brancas e imaculadas.
Anja: Sempre invejaste estas roupas mas elas não te servem!
Demónia: Podem não servir mas ao menos sou feliz, sua depressiva!
Anja: Sim sim. Feliz com o mal dos outros!
Demónia: O verdadeiro bem dos outros! O teu é só um bem de ilusão.
Anja: Asquerosa!
Demónia: Demente!
Anja: Pestilenta!
Demónia: Insana!
Anja: Peçonhenta!
Demónia: Débil mental!
Eu: CALEM-SE!!! AS DUAS JÁ CÁ PARA DENTRO!!!
Eu: Finalmente algum sossego… Mulheres…

sábado, abril 01, 2006

Alegoria

As luzes de cores foscas e desbotadas, acesas pela velha televisão muda, variavam e, variavam em intensidade, intermitentes, nas paredes. Azuis vivos, vermelhos mortos e brancos doentes. De vinte em vinte minutos, um barulho de motor e vento cortado, penetravam o forte óvulo do silêncio. Um som de fundo ressonava em significados de chuva, contínua, pesada e deprimente. Que sossego... A cor da cidade, na noite, não negra mas laranja, desflorava frutuosamente as pobres, e lânguidas, singelas cortinas por feixes, desconcentradamente. O reflexo desse fruto de cor, ampliado por condenadas gotas em movimento descendente, agitava sombras. Um suicídio de ideia, não fugidio da mente e um cansaço infinito numa frágil, e forçada, paciência. Um basta, com sabor a firme e teor de molhado dentro de uma desistência, com incerteza de cobardia. Um peso de cabeça difícil de suportar por vivo ser.
O riscado chão de madeira, pedia a dança de um amor fechado e isolado. Só um sim de vida, do agente perturbador, acalmaria a interferência no par perfeito. Que bela a força desta união utópica, idealizada pela mente exclusiva de seres humanos únicos, belos e simplesmente complicados. Ou um.
A música continuava erosiva como um mar viciado em desfazer dunas. A tua presença continuava e continuava forçada e alimentada pela minha imaginação. Ainda há minutos estiveste a menos de um metro de mim e, ao mesmo tempo, a oito voltas ao mundo de distância. Os teus olhos atentos e agitados e velozes e lindos encobriam o teu estado nervoso. As tuas mãos, trabalhadoramente malvas, sustinham nas pontas leve casca de brilhar. Duas cabeças, separadas, trabalhavam em conjunto uma única possível ideia. Era incrível o barulho do momento e a quantidade de felicidade manifestada pelo envolvente. Todos, sem saberem, presenciavam o que não estava a acontecer. A vida deles era uma mera barreira. A barreira que impuseste e desejaste de primeiro contacto. Não precisava fechar os olhos para te sentir pensar em mim, provavelmente na minha bela modéstia. Mas tu não estás aqui. As horas continuam a passar. Se calhar estás onde tens de estar mas onde não gostarias de estar. Se calhar, fazes o que tem de ser feito. É a lei da continuação co-social e natural. Sei, que, neste momento, grandes e pesadas batidas te invadem levemente o corpo mas, a mim, são as tuas doces e pacificas melodias que arrasam e definham o físico.
Três da manha. Leio e relembro, recordando, tudo o que me disseste. Devagarinho encaixo peça por peça no que vi de ti real. Afogado em dúvidas tento desvendar o que sentias. Seria a tua agitação anormal? Terias ficado assim pela minha presença? Terias sido indiferente e esquecido que eu lá estava? Hum. Não pode ser. Não seria conciso com toda a nossa história. Que complicação! Reparei que, por vezes, tremias agressivamente como possível hiperactiva. Amar um bocadinho em construção progressiva? Mas, mas, onde, onde é que tu foste buscar essa teoria? Como podes ter bases cognitivas semelhantes às minhas? Até na tua conformidade grupal és igual. Falas, ris, olhas, tudo fazes, tudo, tudo fazes, mas, eles também não dão conta da tua verdadeira especialidade. Só eu, ali, vi o que realmente és. Não o que mostras ser. O que és! Tu não és uma rapariga. És Tu!
Apaguei a televisão. Quero ainda mais sossego luminoso. Quero deixar esta escuridão pesar sobre mim e adormecer-me nestas ideias e tristeza que me impregnei. Devagarinho, devagarinho, vou adormecendo ou acordando ou se calhar, já durmo há muito tempo. Os teus orgulhosos cabelos grandes pendiam de maneira helicoidal. Os teus olhos, de limites definidos a negro. Apetece-me rir de lembrar as apregoadas forças gigantescas de ambos e que no fim, se trituraram em simples e inocentes vergonhas. Duas presenças tão poderosas condenadas a terem medo sequer de um mútuo olhar. Espera um bocado. Já te continuo a contar o que sinto. Vou só acender uma vela.
Voltei. Obrigado por teres esperado. Sabes, o carro não me queria deixar vir embora. Conduzia-me sempre para pontos sem saída. Se calhar não acreditas mas, demorei uma hora a sair do estacionamento. Sinais? Não sei. Sabes que só acredito em coisas que vejo. Não consigo expor o meu pensamento ao transcendente. Tu consegues!
Somos iguais com limites diferentes. Esta frase ainda não me saiu do pensamento. Observavas, quando eu não olhava, mas, eu sentia o teu olhar pronto a fugir quando eu me virasse para ti. A vela brilha aqui no escuro…
Claro que tinha que fugir. Estavas à espera de quê? Tu sabias bem isso. Sou um desconfortável difícil de contentar. Aqui é tudo muito fácil não é? Banhamos as nossas raízes no sangue um do outro. Somos apoiados e seguros pelas nossas imensas forças de poder. Adorei ver o teu receio. Hum. Adorar não. Adorar, adoram-se os deuses não é? A tua insaciada busca pelas ideias dos outros sobre mim. Só agora deduzo que só pode denunciar o teu interesse em mim. Aliás segundo a lógica, tu estás mesmo interessada em mim ou então vou ser obrigado a declarar-me socioignorante. Talvez. Os caminhos… Pois… Os caminhos a seguir, é que realmente são ambiente hostil para mim… Não vejo bem o que tenho de fazer. É agora que falho? Ou ainda demoro mais um bocado? Começar deste modo foi bom, porque foi menos explosivo mas, por outro lado, não se cingiu ao meio-termo, ficou muito aquém de um verdadeiro encontro. Se calhar foi melhor assim. Não sei. Estou confuso, como sempre, mas, mais ainda dado a importância dos valores em questão.

Passou um dia. Actualização de pensamento. Afinal não tens tanta destreza selectiva como pensei. Foi engraçado confirmar que também não te apaixonas embora, se calhar, nem o saibas. Encontrei pela primeira vez os teus pontos fracos. Afinal não és assim tão forte. Tens o método e organização que esperei. Hoje mentalizei-me para a nova realidade. Sim. Como prometide declaro-me socioignorante. Eu não entendo muito bem as coisas. Não sei a razão pela qual tudo termina antes mesmo de começar. Sei uma coisa. A culpa é minha. Se calhar, como tu dizes, existem pessoas demasiado perfeitas para… Neste momento vejo as caras demoníacas espalhadas pela parede. Fui eu mesmo que as coloquei. Quem se teria dado ao trabalho de esculpir tais faces? Os pedestais continuam fortemente góticos como sempre em lembrança dos inícios dos tempos de memória. Seguro, com desdém, coisas, que muitas pessoas gostariam de ter, e pouso-as, desmotivado. Pois, tens medo, é normal. Sim, é difícil confiar, claro. Acho que também, não me importa. Lembras-te? O ritmo… A velocidade que iria começar e não podia abrandar… Sim. Abrandou. Definhou. Não tiveste culpa. Acredita que não. Não podes fazer o que não estás predestinada a fazer. Muito longe foste! Sinto-me frustrado por não te poder emprestar os meus olhos para compreenderes a minha forma de ver tudo. Adorei quando me disseste que havia muito trabalho a fazer quando te referias à nossa realidade. Pronto. Acho que não há muito a fazer e também já estou cansado de escrever. Eu nem sei bem se isto é verídico ou se é mais um conto da minha imaginação. Acho que sei. Acho que sabes. Os outros que pensem o que quiserem...

quinta-feira, março 09, 2006

Parvalhona

Saudade

De te abraçar.
De te esturricar.
De te amar.
De te torturar.

De te ver.
De te comer.
De te gemer.
De te perder.

De te sentir.
De te ferir.
De te bulir.
De te mentir.

A saudade é o meu desejo de monotonia da minha vontade e falta de desejo.
A saudade é a minha predisposição de repetição de um momento meu passado.
A saudade morre a par da minha memória sempre empurrada pelo meu tempo.
A saudade é a minha dependência em versão autónoma e a saudade é minha.

Eu não tenho saudades de ti.
Na verdade, tu nem existes.
Eu não tenho saudades de ti.
Não te quero, acredita que não.
Eu não tenho saudades de ti.
Ficas bem debaixo do penedo.
Eu não tenho saudades de ti.
Enterrei-te e não nasceu nada.

Eu tenho saudades de ti.
Como poderia? Não existes!
Eu tenho saudades de ti.
Só se for do teu abraço.
Eu tenho saudades de ti.
Sim, talvez tenha algumas.
Eu tenho saudades de ti.
Eu tenho saudades de ti.

A verdade vai ser contada agora. Eu não gostei de ti e, se gostei, foi pouco!
Tenho saudades do calor que o meu corpo libertava para aquecer o teu.
Não sinto, minimamente, a tua falta ou ausência mas, se quiseres, podes vir.
Mil e um insultos secretos tenho guardados, para ti, para que ninguém saiba.

Compromissos?
Existem?

Este conjunto de palavras não tem nada de especial. Se calhar a sua sequência é um bocado bizarra mas foi assim que quis escrever.

Vou então falar de ti.

Não por seres importante mas, porque me quero rir de ti, daqui a uns anos, quando ler isto.

És o que eu chamo de pessoa estupidamente pouco inteligente. És vulgar e sim, tu és igual a todas. Se calhar esta frase custa-te um bocado a ler e, possivelmente, acreditas mesmo que as porcarias que fazes, te tornam única. Vou-te tentar explicar que eu não avalio futilidades. És inútil.

Gostam de ti? Porque não haveriam de gostar? Não tens um corpo?

Ahhhhhhh

Sim. Estava-me a esquecer dos apaixonados por ti. Sim, esqueci-me desses, desculpa. Os que te acham única e diferente e qual é mesmo a outra coisa que queres que eles te digam? Já me lembro. Claro que és especial e a mulher da vida deles. Eu estou revoltado contra eles? Não. Pelo contrário. Admiro-os. Ou se calhar não admiro. Se calhar, admiro-te a ti por os admirares. Acho que não te admiro. Espera um bocado. Deixa-me só interromper para te informar o que é o conceito da tua admiração para mim.

Tua admiração (Dicionário Edgariano): ACORDA!!!

Mais do que o simples entrançado de diversos fios é um conselho muito bom porque eu tenho a mania que sei tudo e se calhar não é só a mania.

Olha e já agora se fosses para o _ _ _ _ _ _ _?

Desculpa a localização indefinida do local para onde te mandei mas os insultos que tenho para ti são secretos. De qualquer maneira não precisaria de te mandar até esse sítio pois, tu própria, vais frequentemente sem que te mandem.

Espera, para que raio uso pontuação e acentos? Toma.

tu es 1a parvalhona que tens a mania que es mt direitinha e na verdade es mm so isso 1a parvalhona e keres + tu n gostas d ti e concordas cmg e es a unic apessoa q ainda concordda mais cmg de que realmente es uma parvalhona e deixa m dizer so + 1a x pa qu nao esqueças ES UMA PARVALHONA ah e n consideres isto cm 1 dos insultos secretos q tenho guardados porque isto é 1 mero adjectivo de caracterizaçao

ponto final

e tu n existes o parvalhona

ponto final definitivo

quinta-feira, janeiro 12, 2006

Eco

Hoje compreendo a razão para toda a queda da economia a nível global. Hoje entendo como países como a China podem crescer tanto. Eles trabalham. Eles criam. Eles constroem. O grande erro humano é pensar que enriquecer significa recolher quantidades de valores dos outros. Penso que é obrigatório distinguir dois tipos de riqueza. A riqueza global e a riqueza particular. O mundo é um conjunto de pessoas e algumas delas podem enriquecer particularmente reunindo quantidades de valores que deveriam estar dispersas por várias pessoas mas, isso não é a verdadeira riqueza. Ele limitou-se a mobilizar o que outrora era de outro e agora passou a ser seu. O que ganhou o mundo com isso? Nada! A riqueza mundial desceu porque embora sejamos cada vez mais, cada vez fazemos menos. È mais fácil cortar uma árvore do que plantar duas, esperar que cresçam e cortar uma. A nossa economia tornou-se numa farsa. Não existem verdadeiros serviços mas sim estúpidas trocas monetárias virtuais. O dinheiro é uma medição criada por nós que é irreal. Na pré-história quem era pobre? Quem era rico? Continuam a ficar uns mais ricos e outros mais pobres mas na verdade todos estamos mais pobres. O mundo perde recursos. Não nos esforçamos por construir algo. Pensamos que estudar e trabalhar é a forma de melhorar tudo mas não melhora. A situação de hoje demonstra a nossa tendência dos últimos anos. Não investimos em energias renováveis. Não reflorestamos o mundo. Não parámos com a poluição. É o dinheiro a nossa verdadeira riqueza? O dinheiro não se limita a servir para consumir recursos? Onde estão os tempos em que alguém plantava batatas para trocar por uma ferradura que o ferreiro fazia? Nós estamos passivos. Estamos a deixar tudo morrer e morrer. A situação que vivemos a nível mundial só tem tendência a piorar e entrar em rotura! É muito tentador não trabalhar e receber o fundo de desemprego, mas isso explode com a segurança social. Nós podemos continuar preocupados só connosco mas assim não vamos ter mundo por muito tempo. Não estará na altura de nos tornarmos inteligentes e de pararmos de alimentar todos esses milionários que se divertiram a arranjarem serviços de ilusão para nos entreterem e nos tornarem mais pobres? Não poderemos gastar menos combustíveis? Gastar menos em telemóveis? Reduzir gastos com TV cabos e serviços de Internet, etc? Eu hoje entendo que o mundo ficou mais pobre e que o grupo de riquinhos não se abstém do seu conjunto de economias e como tal os mais pobres vão perdendo o que realmente importa! Não é ir ao Mcdonalds ou ao centro comercial comprar qualquer porcaria que um chinês fez. E quando será que vamos entender que temos que parar de comprar as coisas do estrangeiro? Quando será que nos vamos aperceber que sempre que compramos algo de fora ou vamos ao estrangeiro de férias, gastar dinheiro que é NOSSO, voa para outros? Quando nos vamos mentalizar que somos um país que tem boas coisas? O quê que se faz numas férias em Espanha que não se possa fazer numas em Portugal? É só a maldita da nossa mania de nos acharmos finos e chiques só porque fomos ao estrangeiro? Não se sentem em secretárias nos escritórios. Criem! Nem que seja nos tempos livres. Adoptem políticas antigas. Construam as vossas próprias roupas de moda. Não alimentem mais as cadeias estrangeiras de marcas. Consumam bens nacionais. Não comprem nada aos malditos chineses. Eu sei que é barato e que hoje em dia não há dinheiro para mais mas, estamos a cavar a nossa própria sepultura. Que mundo vamos deixar aos nossos filhos e aos nossos netos? Vamos parar de alimentar as gasolineiras e usar o mínimo indispensável. É melhor estar na Internet a falar com alguém que nem se vê, ou ao vivo num sítio qualquer bonito, com a pessoa frente a frente? É na Internet que beijamos alguém? Ou que abraçamos? Os nossos estados de emoção são representados por estúpidos bonequinhos? Vamos deixar de dar consolas de jogos aos nossos filhos! Torna-los homens mais cedo! Vamos ensina-los a viver. Podem por exemplo estar em contacto com a natureza e ajudarem a limpar matas, que todos os anos ardem pela nossa estupidez. Vamos parar de comer em excesso, de fumar, de beber. Não podemos culpar os ministros pelo que eles fazem. Já toda a gente sabe que eles no fundo só pensam neles mas não é o que todos nós fazemos??? Se nós estivéssemos lá fazíamos melhor??? Não são os políticos que podem mudar o mundo, somos NÓS!!! Em vez de ter lindos jardinzinhos de relva que dá imenso trabalho e despesa a tratar porque não ter árvores de fruto? Onde estão os tempos em que os vizinhos se reuniam e eles próprios construíam as casas uns dos outros? Vivemos de um mundo de aparência. Não nos preocupamos com o que nós próprios pensamos de nós mas sim o que os outros pensam. Para quê usar tantos cremes e produtos de beleza? Outrora não existiam e as mulheres não eram bonitas? Não havia casamentos e namoros? Há cinquenta anos atrás quem tinha um cancro na mama? Uma mulher em muitas dezenas de milhares. E agora? E problemas de útero e afins? Cada vez os meios são mais eficazes e sofisticados e as doenças em vez de decrescerem, aumentam? Como é possível? Quem sou eu? Sou um dos piores exemplos para vos pedir tudo isto mas vou lutar por mudar! Eu tal como vocês cometo estes próprios erros dia após dia! Por favor vamos lutar!
De uma coisa estou certo, ou mudamos rapidamente ou então, a vida e o mundo acabaram…

domingo, dezembro 25, 2005

Vagabundo

Muito me irrita aquela secretária inútil que acabei por contratar por ser amiga da minha mulher. Sabe bem o poder que tem, só por se dar bem com ela e como tal, pensa que pode abusar comigo mesmo sendo o patrão dela. Irrita-me de tão fútil. Veio aqui avisar-me que o empreiteiro e os trabalhadores tinham chegado. Sonsa! Conduzi-os à cave do edifício da empresa. É um local só frequentado por mim. Uso-o para guardar alguns dos meus automóveis mais queridos. As obras serão na minha sala de arrumos. É a simples construção de uma parede a meio da sala, a aplicação de um vidro espelhado daqueles que só permitem a visão por um lado, a pintura das paredes, instalação eléctrica e a abertura de um fosso no cerne da sala. Ali os deixei. O elevador sobe, andar por andar, mais desconchavado que o meu Mercedes cinquentenário. Ela tem a coragem de olhar para mim! Que ódio! Um dia… Sim, um dia! Finalmente, descanso uma bela paz na minha desejada poltrona. A voz da minha mulher, ao telemóvel, alegra-me. É como óleo de coco sobre uma queimadura solar. Frase por frase, devota-se à minha existência como se perecidos fossem os homens do mundo. Faz-me pensar como pode aquele entusiasmo perdurar ano após ano. Afinal de contas, ela não sabe que sou sempre eu? Não conhece já ela, tudo o que pretendi que ela soubesse? Como uma adolescente, tenta tentar-me, tentadoramente, com previsões de uma noite ao som da experiência cacofónica da recém-comprada roupa interior. Imagina lá ela o que lhe reservo… Os relógios catapultam os trabalhadores para fora da empresa lembrando-os que é tempo de sentirem fome. Pronto. Creio que já ninguém cá está. Esta porta da minha área é simplesmente deslumbrante. Nunca resisto a conduzir a minha mão por aqueles veios de madeira exótica. Aquela horrorosa ainda aqui está. Aposto que não saiu só para esperar por mim. Desajeitadamente, refere que ainda tem umas coisas para acabar e como tal, tinha ficado mais um bocado mas, que desceria agora comigo e terminaria mais tarde… Pois… Só pode ser uma relação puramente de ódio e amor. Alegremente, move-se para o meu carro do qual eu gentilmente a afasto. Vá para o raio que a parta! Vejo a afastar-se desiludida. Tem um corpo muito agradável. Pena que não entenda que as pessoas só querem o que não podem ter ou, pelo menos, o que lhes custa muito a terem. Rebaixa-se incessantemente em torno da minha arrogância e desprezo. Venerável tanta coragem e força de fazer. A mulher tem a particular questão de desejar determinados parâmetros e de chamar paixão ao encontro deles na sua totalidade ou parcialidade. São parâmetros como a aparência, o poder monetário, a força física, a destreza intelectual, o renovador bom humor, o toque de sensibilidade, o grau de dedicação, a maneira de proceder na vida, a capacidade de proteger ou segurar, a boa esperança de criação familiar ou o simples facto de muitas outras mulheres o desejarem. Dado o actual estado da sociedade, elevaram-se os factores económicos e de bom humor sobre os outros, dado elas precisarem de segurança económica e de animação humorística que funcione como anti-depressivo. Cada uma tem os seus factores predilectos. Cada uma é refinada para uma determinada mistura de desejos em função da sua própria vida. Se um homem lhe conseguir provar que ela é especial e única, como se quisesse fugir à pura realidade de ser apenas uma mulher, ela é muito provável que se entregue, mesmo sem paixão. Racionalmente, a paixão é um seleccionar naturalmente inconsciente. Há algo mais matemático do que a psicologia? Ninguém vê? O homem vê-se obrigado a jogar um jogo que para ele é ainda mais simples. O que precisa ele? Uma boa falta de inteligência, sem dúvida, e seguir todo o jogo de tempos e barreiras de ilusão que todas exigem. O ser humano, basicamente, tem a capacidade de amar seja quem for, só que não o sabe e como tal, cria-se a aparente ilusão de existirem irreais pares de combinação, distinguíveis, entre um mar de vidas. Alguém encontra outro, fortemente poderoso intelectualmente, que consegue violar pensamentos e ideias subconscientes e pronto, já se fala em almas gémeas como se fossem um conceito que algum dia pudesse existir. O amor é a confortável adaptação a uma presença que, preferencialmente, deverá provir da dita paixão de forma a compatibilizar os tempos conjuntos. A pior característica da mulher é gostar de quem lhe prova que gosta dela. Isto não deita por terra toda a surrealidade de magia que elas conotam ao amor? Porque insistem em forçar toda uma fantasia em volta de um acto tão natural? Parece o Natal… Chega de pensar em amor. Se aquele irritante ser, soubesse que despoletou 2 minutos do meu pensamento certamente sorriria a tarde toda. Arranco apressadamente. Ainda tenho que ir almoçar com a minha mulher, Mariana. Ao parar numa passagem para peões, perto de uma escola, vejo raparigas muito novas aproximarem-se do meu raro e valioso veículo. Isto é paixão? É! Vejo-as, todas contentes, pedirem para darem uma voltinha e recuso sabiamente. A minha mulher anda carente. Assustadora a pormenorização dos detalhes que criou em si para me impressionar. Cada bocadinho de si denota esforço e dedicação. Foi um almoço deveras entediante. Pela mesa giraram os mais requintados pratos gastronómicos e os mais sumptuosos objectos do bem servir mas nem isso me entusiasmou. Aprendi uma coisa na vida. Começar uma relação de amor com paixão é um erro gravíssimo. Acaba sempre mal. A paixão tem, impreterivelmente, a função de desaparecer com o tempo e depois, só fica o amor, e a regressão de importância a nível sentimental cria um abismo jamais ultrapassável. Funciona, sem dúvida, muito melhor uma relação onde exista um mero amor criado pelo tempo. Nesse caso os olhos não foram enganados pela paixão. Viram mesmo alguém agradável de se passar tempos conjuntos. Nesses casos é muito raro o desentendimento. E embora ninguém acredite, a magia é muito maior. Podem acusar de não existir fogo numa relação mas, certamente também não existirá incêndio! O difícil não é continuar mas sim começar. Levei a minha mulher a casa onde passará o resto do dia a conhecer partes da casa que certamente ainda não descobriu ao fim destes anos. Voltei ao escritório. Passei pela cave e vi os blocos empilhados a formarem uma parede. Maldita mulher pela qual tenho que passar sempre que entro na minha área. Deitei-me na poltrona e adormeci. Acordei com o toque de saída da fábrica. Sempre adorei ver os trabalhadores saírem desenfreados da empresa, todos contentes, por mais um dia de trabalho ter terminado. Decidi experimentar um licor raro que me ofereceram, feito num mosteiro qualquer da Bélgica. Enchi dois copos. Não foi preciso ter dúvidas sobre se a secretária teria ou não ido embora. Chamei-a. Ela veio. Gentilmente pedi-lhe que se sentasse e ofereci-lhe um copo. Ela espantada questionou-me a razão de tal simpatia. Eu respondi-lhe com a pergunta: “Qual a razão pela qual as mulheres tem que interrogar incessantemente todos os actos dos homens dirigidos a elas?” Será preciso ser um génio para entender que não me apetecia beber sozinho? Será preciso ser desmesuradamente inteligente para entender que me apetecia simplesmente alguém agradável para fazer companhia? Mergulhei um dedo no copo dela e pus-lho na boca. Ela fechou os olhos e chuchou como um bebé a uma chupeta. Eu perguntei-lhe se estava mais interessada no licor ou no meu dedo ao qual ela respondeu orgulhosamente que apenas desejava o licor. Eu perguntei-lhe então, a razão para ter agarrado o meu dedo com a língua durante minutos se o sabor do licor desapareceu logo nos primeiros segundos. Ela corou e em tom de vencida agarrou de novo o dedo e meteu-o na boca. Fechou os olhos… Tirei o dedo… Peguei no meu copo e bebi um gole. Pedi-lhe que tirasse a camisa. “Não queres tirá-la tu?”. “Não!”, foi a minha resposta e ela tirou-a sozinha. O telemóvel tocou. Era o João a convidar para uma partida de bilhar. Ela continuava ali, pseudo-nua, insatisfeita com a demora. Disse-lhe que dentro de uma hora estaria em casa dele e desliguei. Enchi o meu copo. Entornei metade em cada mamilo despoletando-os e ficando hirtos como diamantes. Apressei-me a mastiga-los violentamente ao qual ela respondeu com gritos de perdição. Disse-me que eu sou mau. Mergulhei-lhe a mão pelo corpo abaixo e a sensação foi a mesma de mergulhar a mão na água quente de uma banheira. Ela agarrou-se a mim tentando abrir-me as calças. Afastei-a e afastei-me. “Tenho compromissos!”. Deixei-a e fui para a casa do João. Ali passei duas horas envolto de fumos de charutos e vapores de bebidas em torno de uma mesa vermelho-escuro onde bolas rígidas batiam umas nas outras e mergulhavam por buracos adentro. Hora de ir. Até amanhã. Dei umas voltas pela cidade. Convidei uma prostituta a entrar no carro e falei com ela duas horas. Interroguei-a cirurgicamente. Quis saber tudo sobre a vida dela. Entreguei-lhe meia dúzia de notas e disse-lhe para sair do carro. Ela perguntou-me se eu não ia fazer nada mais do que falar? Respondi-lhe, friamente, que ela não me atraía. Ela olhou para mim surpreendida. Pousou o monte de notas em cima do banco e saiu. Abri o vidro e chamei-a. Disse-lhe para levar o dinheiro pois eu não precisava dele. Ela olhou para mim e para o dinheiro e depois para mim. Baixou os olhos, pegou no dinheiro e afastou-se apressadamente. Entrei em casa. Activei o alarme e disparei-me para a cama. Ela, ensonada, abraçou-me e voltou a adormecer. Adormeci.
Acordei e vi-a olhar para mim fixamente. “Acordaste há muito?” Abanou a cabeça afirmativamente e pediu-me para fazer amor com ela. “Ando a tomar uns medicamentos que não me ajudam”. “Medicamentos para quê?”. “Uns medicamentos que o médico receitou para os ossos ou qualquer coisa do género…”. Abraçou-me entendendo logo a minha desculpa esfarrapada. Subi-a para cima de mim e assim ficou meia hora, deitada em mim. Adormeci. Acordou-me passado um bocado. “Não tens que ir trabalhar?”. “Já sabes que eles esperam por mim…”. Entrei naquela banheira quente e afundei-me. Ela entrou também, passado um bocado, e nadamos um bocado. Saí e ela, secou-me milimetricamente com os lábios. Entrei no edifício. As mesmas caras de sempre. Felicidades. Tristezas. Ódios. Tanta coisa… Ela cumprimentou-me e olhou-me fixamente. Nem liguei e segui em frente. Dediquei algum tempo ao estudo das minhas transacções on-line. Ela entrou logo. Fácil de a entender! Esperava que eu lhe desse atenção para se fazer de fria e independente mas, como optei eu por esse papel, só lhe restou o de necessitada e carente. “Precisa de alguma coisa?” “Não. Pode sair. Obrigado.” E lá foi ela, pior que uma víbora. Hoje é quinta-feira. Pedi para receber os meus seguranças de confiança, Ferreira e Alvim. Falei com eles, falei e falei. Embora espantados com o que lhes pedi, não mo recusaram. Sei que fariam quase qualquer coisa que lhes pedisse. Abri a garrafa do licor, enchi um copo e coloquei-a em cima da mesa. Sentei-me e chamei aquela parva. Ela entrou e o seu olhar disparou logo directo à garrafa. Pedi-lhe para não se esquecer de ligar a todos os clientes a desejar um bom natal. Ela perguntou se eu não precisava mesmo de mais nada. E investiu contra todos os meus “Não. Obrigado.”. Saiu estarrecida e desiludida. E o dia passou e passou. Duas, três, quatro, cinco e seis horas. Despedi-me de toda a gente e entreguei uma libra de ouro a cada empregado de prenda de natal. Como sempre, a empresa vazia com apenas quatro trabalhadores. Os dois seguranças permanentes, eu e a maldita secretária. Chamei-a. Perguntei-lhe o que tinha planeado para a noite de consoada. Perguntei-lhe se era capaz de realizar uma loucura. Os olhos dela brilharam. Pediu-me para dizer qual a loucura embora, na sua cabeça, já se adiantassem dezenas de ideias possíveis. E eu assim contei. Saí e deixei-a ali. Hoje é dia vinte e quatro de Dezembro e tenho a família toda à espera para a ceia de natal. Entrei e o calor e o aroma festivo invadiram-me. Interessante… Sobrinhos rodearam-me histéricos e possuídos por energias de fonte indefinida. Apeteceu-me dar um beijo na minha mulher e eu não sou de conter desejos nem vontades. Ela ficou surpresa pela intensidade da saudação. Cumprimentei um por um. A casa estava completamente decorada. Passou, certamente, o dia todo com as amigas a decorar e a cozinhar. Sentei-me. Comi. Convivi. Duas da manhã. Os putos já dormem espalhados pelo chão, rodeados de bocados de papéis e caixas. As mulheres, reunidas na cozinha, enquanto lavam e arrumam, falam alto e discutem prendas e defeitos matrimoniais. Os homens encaixados nas poltronas, divertem-se com os queijos, enchidos, fumados, charutos e bebidas pesadas. Quatro da manhã. Casa vazia. Restamos os dois. Ela está a tomar o seu banho de fim de dia. Faço uma chamada. Ela sai com o roupão desamarrado. Sim, definitivamente anda carente. Também, os dias de jejum, amontoam-se pelo calendário. Como sempre, esperei a sua lenta chegada até mim. O olhar dela torna-se fixo e forte. Não preciso dizer qual o alvo… Começa com um jogo de dominância mas o objectivo dela é mesmo ser dominada mas, usa aquele início para me estimular. Hoje sim. Hoje entro na brincadeira. Puxo-a desajeitadamente contra mim e ela solta um gemido de gosto. Aperto-a contra a parede para ela sentir a parede gelada no corpo nu. Ela riposta ao choque térmico inicial. Viro-a e empurro-a de novo mas desta vez para sentir o frio nas costas. Empurro-a com todo o meu corpo. Ela atira-se contra mim tentando soltar-se. Ao perguntar-lhe se quer que a solte ela responde que não e eu pergunto qual a razão para tentar soltar-se se na verdade, pretende estar presa. Ela sorrindo responde com a pergunta: “Não é suposto ser a tua presa?”. Em silêncio, sento-a na cama, gentilmente. Do bolso, tiro um lenço de seda negra e perfumado. Vendo-a fortemente. Ficou deliciada e mais ainda quando referi que hoje era diferente. “Espera por mim. Não te mexas nem saias daí!”. Desci vagarosamente, como um anfitrião, as longas escadas. Abri a porta. Dei as indicações necessárias àquela maldita secretária. Entramos no quarto. Ela em silêncio despiu-se. Abraçou a minha mulher e ela assustou-se logo ao sentir os longos cabelos e os peitos voluptuosos. “Que é isto?”. “É a tua prenda de Natal querida!”. A Marta sentou-se ao lado dela enquanto ela pensou e pensou até que me perguntou: “É a minha prenda de natal ou a tua?”. “É a tua.” Respondi firmemente. A Marta olhou para mim e avançou. Beijou-a muito medrosamente. A minha mulher aceitou receosa. O seguimento das fricções corporais, sossegaram as suas inseguranças. Devagarinho esfregaram-se rodando na cama. Era a primeira experiência feminina de ambas. Saborearam-se lentamente perante o meu olhar atento. A minha mulher, cegamente, usufruía daquele corpo e parecia gostar. Por uns momentos, gostou tanto que creio que se esqueceu mesmo que eu ainda ali estava. Quando se lembrou, perguntou se eu ia demorar muito a ir e eu fui… A interesseira Marta, rapidamente, procurou o seu verdadeiro objectivo naquele jogo. Arrancou-me as calças fora e, euforicamente, abocanhou-me numa ânsia tão desesperada que até me fez tremer. Sugou-me como se nunca o tivesse feito. A minha mulher apercebeu-se da situação e foi à luta. Durante minutos milenares competiram sofregamente por mim. Cada uma na sua vez obedeciam às ordem hormonais. Ambas estavam muito extasiadas. A Marta por ser eu e a minha esposa pela novidade da situação. Afastei-as um bocado para não terminarem tão cedo com aquele belo momento. Exibicionistas lutaram uma com a outra vendo qual causaria mais prazer de modo a descontrolar a adversária. Erro crasso… Ultrapassaram os limites e ambas se tornaram demasiadamente frágeis. Sons estranhos bailavam naquela atmosfera bizarra. A minha mulher era a mais predadora. Procurava com os dedos as pontas mais sensíveis daquele corpo. A Marta imitava-a em tudo e tentava ainda com mais intensidade. Estava claramente a exibir-se para mim. É a minha vez. A Marta, obedientemente, não falava para não revelar a sua identidade. Coloquei-as a par. A minha esposa perguntou “Sabes quem é ela e se é de confiança?” Sem responder iniciei o acto dedicando tempo a cada uma, tentando não ser injusto. Nenhuma queria esperar. Maldita incapacidade feminina de partilha. De repente algo mudou. A Mariana, minha esposa, enquanto consumia concupiscente a Marta, agarrou-se a ela beijando-a indecentemente. Pela primeira vez estava realmente a usufruir puramente daquele corpo. Deixou de a ver como uma concorrente e apercebeu-se que ela era um mero objecto de prazer na nossa relação, como tal, baixou a espada e entregou-se. Deixou-a fruir de mim enquanto a acariciava. A Marta, coitadinha, estava explosivamente feliz. Está na hora… Não sei bem o que fazer mas também o tempo já não é muito. Não precisei decidir-me. A Marta avançou e a Mariana não quis ficar atrás. Eu sei que a Mariana fez um sacrifício pois não faz, mesmo, nada parte dos gostos dela. A Marta, por outro lado, estava completamente à-vontade e entornou-se num encanto desmedido. Vertida e escorrida fervente, saiu a correr do quarto. A minha mulher estava deitada, exausta e esbaforida. Retirei-lhe a venda e com o lençol limpei-a carinhosamente e beijei-a. Ela olhava para mim em pânico enquanto se sentava. “Era uma prostituta?” pergunta ela. Sorrindo saio do quarto e empurro a sua melhor amiga, corada e na situação mais vergonhosa da sua vida, porta a dentro. A Mariana abriu tanto a boca que receei que a sua mandíbula se ejectasse do resto do corpo. A Marta abraçou a minha convalescente e silenciosa mulher. Desci, deixando-as conversarem sobre o assunto. Vi a Marta descer vestida passado uma hora. Despediu-se e saiu apressadamente. Subi e encontrei a minha mulher na cama. Deitei-me e adormeci caladinho naquela noite de Natal.
Acordei sozinho na cama. Fui meio ensonado e de cuecas até ao início das escadas onde a minha sobrinha ao ver-me desata a fugir a gritar. Surpreendido, lembro-me que é Natal e corro para dentro do quarto. Vesti-me e desci e já andava a casa invadida por caras familiares. A minha mãe diz-me que serei sempre o mesmo dorminhoco. Procuro rapidamente a Mariana. Preciso de ver a cara dela. Encontro-a de volta dos pratos, atarefada. Felizmente vejo que ela está feliz. Ao menos isso… Nem sempre é bom sinal… Almoçamos e fomos até ao café. A tarde passa invariavelmente. Hora da despedida, abraços, beijos, recomendações de última hora, conselhos impensáveis… Enfim, na Páscoa há mais… Segunda-feira e voltou tudo ao normal… As obras estão prontas finalmente. Sim, tudo está conforme o desejado. Mil setecentos e oitenta contos. Uma grande parte foi para despesas de transporte dado eles serem de tão longe. Tinham obrigatoriamente que ser. Não foi caro. A Marta anda sempre em cima de mim como se agora fossemos uma espécie de amantes permanentes. Não consegue entender que foi uma brincadeira de prazer que não se tornará a repetir. A Mariana ainda não fala comigo normalmente. Não sei bem o que isso quererá dizer. Terça-feira. Não me apeteceu trabalhar e fui passear até aos centros comerciais ver como correm lá os meus negócios. Ela foi comigo. Já voltou à normalidade. Já fala de novo imenso. Parece mais forte do que nunca. Está ainda mais apaixonada. Não entendi… De noite queria festa mas eu aleguei tremendo cansaço. Quarta-feira fui falar com a prostituta e pedi-lhe um favor. Um favor complicado mas aliciante para as pessoas que o vão concretizar. Preciso de três vagabundos desabrigados que não tenham ninguém. Dado tamanho económico envolvido, ela mal conseguiu respirar acertadamente. Na quinta-feira, levei-os aos meus médicos para uma análise extensiva. Todos os mais sofisticados e caros exames foram realizados para completo espanto dos médicos. No fim foi-lhes apenas exigido silêncio absoluto e assim será porque eles sabem bem quem sou e o que represento. Estão limpos… Encarreguei seis pessoas de confiança de os vigiarem vinte e quatro horas por dia. Sexta-feira fui com a minha mulher ao centro mais movimentado da cidade. O costume: jóias, perfumes, roupas, carteiras, sapatos… Lá fomos saindo para o retorno a casa. A saída estava completamente apinhada de gente. De repente algo me chama a atenção e ao resto das pessoas. Uma carrinha negra segue pelos passeios a alta velocidade. Ouço: “É louco!”. Trava mesmo à minha frente e sem que eu tenha sequer tempo para me aperceber saem dois homens fortes e encapuzados e arrancam-me da beira a minha mulher. Corro atrás da carrinha que arrancou agressivamente. Os meus seguranças fazem alguns disparos sem qualquer resultado. Em pânico, rodopio impotente. Avisto três carros de polícia em algumas dezenas de segundos. Dois deles seguem em frente a alta velocidade e um pára. Interrogaram-me e ao resto das pessoas sobre tudo. A carrinha não tinha matrícula e era de uma marca completamente desconhecida. Parecia uma carrinha de fabrico próprio. Completamente reforçada como se fosse um daqueles carros blindados de transporte de valores. Escusado será dizer que passei a tarde na esquadra num pranto de lágrimas. Levaram-me a casa e deram-me três soníferos. Dia trinta e um de Dezembro. Ultimo dia do ano! Acordo sozinho a meio do dia. Olho em minha volta na esperança de encontrar uma prova de que tudo não passou de um sonho. Nada. Apenas vazio. Espreito pela janela e vejo dezenas de pessoas, provavelmente da imprensa, à porta. Ao verem um simples mover de cortinados, disparam dezenas de flashes na minha direcção. Desci e dei ordem de silêncio absoluto a todos os empregados e seguranças e dispensei-os por uns dias. Vi-os a saírem circundados por um anel de gente. Não pararam. As horas passam. A noite aproxima-se. Está a acabar o ano. As pessoas não desenredam o caminho. Entro no meu abrigo subterrâneo e saio pela saída secreta. Antes coloquei uma toalha em volta do pescoço por baixo do casaco, um gorro e uns óculos. Dirigi-me à traseira da empresa. Entrei e desci à cave. Lá me esperavam o Ferreira e o Alvim com o gradeamento frontal da carrinha todo amassado. Disseram-me que tiveram que albarroar um carro policial pelo caminho mas que tudo tinha corrido mais ou menos como o previsto. Pedi-lhe que subissem e montassem guarda no rés-do-chão. Assim o fizeram. Bloqueei o andar subterrâneo secreto do edifício. Ali estava a minha mulher. Deitada e inconsciente em cima da mesa central da sala, imensamente iluminada. Estava bem, tal como ordenei. Soltei da carrinha os três badalhocos da rua. Um muito velho e outro deles de raça negra. Odeio pretos. Olhei para ele, intimidando-o. Cheiravam pior que os porcos do curral da minha sogra. Estavam todos borrados e com roupas de maltrapilhos. Entramos na sala. Bloqueei a porta. Ali os deixei. Passei para a segunda sala e bloqueei também a porta com o código. Sentei-me na minha confortável poltrona. Este vidro espelhado inquebrável é fenomenal. Vê-se tudo perfeitamente. Ali esperei sentado. Vi-os andarem pela sala, olharem para a minha mulher fascinados pela sua beleza e elegância. Horas passam. Eles começam a ficar impacientes. Tocam-lhe e tentam acordá-la forçadamente. Levantei-me e bati três vezes no vidro. Pararam imediatamente. O tempo continuou. Ela começa a acordar. Eles fixam a sua atenção nela. Ela põe a mão na cabeça, ainda não vendo nada, e olhou para aqueles estranhos todos com mau aspecto. Tentou de imediato fugir. Eles não a tentaram deter. Para onde fugiria ela? Escondeu-se atrás dos bidões… Foram buscá-la e arrancaram-lhe todas as roupas. Vejo-a e sinto-a chorar perdidamente. Trouxeram-na para a mesa pelos cabelos e ali a deitaram. Desapertei um botão das calças. Outro, outro e mais outro. A potência que resvalava daquele cenário era imensa. Mal me conseguia conter. Comecei devagarinho a manipular-me. O ritmo era lento, mas mesmo muito lento. Era obrigatório para a contenção. O preto aproxima-se da boca dela para a beijar. Furioso, corro até ao vidro quase tropeçando nas calças e dou três murros enormes e ele parou logo. Que nervos!!! Dei-lhes ordens expressas para que não a beijassem na boca. Proferi, baixinho, meia dúzia de insultos para o inferior ser e sentei-me novamente irritado. O preto era sem dúvida o mais abusador. Os outros estavam um bocado em choque com a violação. Ele foi força-la a sexo oral e ela trincou-o. Ele arrancou-se logo dali e veio para trás apressadamente condolente em dores. Não consegui deixar de sorrir com aquela situação. Ele veio a correr ter com ela e deu-lhe uma grande pancada na cabeça. Baixei os olhos. Ela começou com convulsões de vómitos. O velho decidiu entrar em acção e penetrou-a enquanto os outros lhe seguravam os braços. Ela gritava enraivecida com a sua inferioridade de força física. Ele agarrou-se a ela. Certamente nenhum deles faria sexo há muito tempo. Aliás, o tempo passado desde a última vez de certeza que seriam anos. Teve um orgasmo quase imediato dentro dela e afastou-se para ajudar a segurar. Ela agora já não lutava contra eles. Desistiu e entregou-se pois, não podia fazer nada em contrário. Levantei-me, por momentos, deixando a masturbação e enchi o ambiente com um “Nocturne for Piano No 9” de Chopin. O outro branco atirou-se a ela ansiosamente. O preto tratava-a mal. Não tinha qualquer sensibilidade. Para ele, ela era um mero objecto de prazer. Não se conseguia aperceber sequer da magia daquela macabra situação. E pronto. Ali estava eu a ver a minha esposa ser violada por minha ordem por três homens da rua, imundos e fedorentos, sem qualquer tipo de protecção. Pior que tudo estava invulgarmente excitado com tudo aquilo. Tinha que parar imensas vezes para não ter um orgasmo fortíssimo. Fervia por todo o lado. O preto agarrou-se a ela e deitou-se no chão com ela. Empurrou-a para cima dele e encaixou-a nele. Abismado, vi o gajo mais novo cobri-la, simultaneamente, por cima. Levantei-me e aproximei-me para ver melhor tudo aquilo. Estava incrédulo. Eles associaram-se? Como pode. Via-se que ela lutava contra si própria para não gritar e não demonstrar prazer mas, não conseguia. São leis naturais que não podia contornar. Desesperada gemia como uma velha carruagem a passar nas florestas medievais puxada por cavalos a alta velocidade. Não lhes tinha dito para fazerem nada disto mas, não deixou de ser uma agradável surpresa. Não consegui aguentar e tive um orgasmo mesmo sem sequer me tocar. Nunca tal tinha acontecido. Estava exausto. Limpei-me enquanto via todo aquele espectáculo encerrar com a sua humilhação. Pior que tudo, ela por fim fez sexo oral aos dois sem os morder. Aceitou a situação e viu-se envolta por fluidos daqueles malditos estranhos. Limpei-me, guardei-me e sentei-me de novo. Estava furioso. Acalmei-me. Ela no chão a chorar. Eles satisfeitos da vida, a um canto, à minha espera. Agressivamente liguei o distorcedor de voz e o altifalante e perguntei: “Não se estão a esquecer de nada?”. Surpreendidos pela voz robótica apressaram-se a irem ao canto buscar o algodão com o clorofórmio e fazerem-na perder os sentidos. Ali ficou inconsciente. Esperei meia hora. Eles sentaram-se pela demora ser longa. Suspirei e introduzi o código no mecanismo da porta. Saí com a minha Steyr-AUG em punho e descarreguei dois tiros em cada branco e as dezenas restantes de balas na cabeça do preto até ficar irreconhecível. Guardei a arma e as luvas que tinha colocado para não ser detectada pólvora nas minhas mãos. Empurrei os três corpos para o fosso. Esvaziei os bidões cheios de terra por cima deles para não criarem cheiros. Fechei e subi ao rés-do-chão. Como sempre lá estavam os meus dois melhores homens vigilantes. Pedi-lhes que acabassem o serviço. Desceram comigo e levaram-na num carro com número de série retirado e sem matrículas para a deixarem viva num monte ali perto. É o primeiro dia do ano. Deixaram-na a um canto da estrada, tal como pedi, sem qualquer marca possível de identificação. Deixei as roupas no subterrâneo e subi, lavei-me e desinfectei-me. Entrei pelo esconderijo da casa. Ouvi imenso barulho junto à porta. Abri-a e estavam vários polícias há severas horas a tentarem arrombar a minha porta de máxima segurança fabricada num polímero de alta resistência. Como ninguém respondia na casa, julgaram que me tivesse acontecido alguma coisa. Desculpei-me dizendo que estava a dormir pois tinha tomado uma dose muito forte de soníferos. Entraram para me tentarem consolar até que chega finalmente a notícia de terem encontrado a minha mulher e que estava sã e salva. A minha alegria e exaltação foram comovedoras. Dirigi-me a alta velocidade para o local escoltado por forças policiais. Lá estavam já vários carros. Abracei-a e chorei de alegria por a voltar a encontrar viva. Lágrimas escorregavam-lhe pela face como pinguins a patinar num lago de gelo. Foi de imediato para o hospital para tratarem dela e realizarem todos os testes necessários e interrogatórios. Vi-a a adormecer e saí para caminhar pelo parque do hospital. Os anos passaram. Vivemos muito felizes. Nunca ninguém desvendou o plano. Quem o sabe, guardou-o para sempre. Foi uma brincadeira valiosa. Custou quatro vidas, uma delas de um polícia, morto no albarroamento, e muitos, mas muitos, milhares de euros gastos. Se valeu a pena? Sim. Indubitavelmente sim!

domingo, outubro 30, 2005

Paixão

Que dia perfeito. Sábado! Tons violeta caracterizam um céu ameaçadoramente chuvoso. O nível de humidade, gigantesco, aveluda o ar e um suave nevoeiro esbranquiça todo o ambiente. Ai que dia perfeito!
Joana acorda e espreguiça-se dentro da cama quente. O quarto continua como sempre esteve. O espelho, o guarda-fatos, a cadeira com a roupa do dia anterior, as mesinhas de cabeceira e as cada vez maiores rachas nas paredes. As trabalhadoras aranhas sempre presentes.
Num instante se lavou e se vestiu. Andou dias a preparar tudo para hoje. Convenceu os pais que iria passar o fim-de-semana com a amiga Mariana para terminar um trabalho sobre a extinção dos ecossistemas. E eles deixaram! Felicidade das felicidades. De tão radiante até pulava. Que maravilha. Dentro de algumas horas estaria nos braços da sua paixão. Há muito que só pensava nele. Todos os seus actos a marcavam indefesamente. No seu corpo cravava-se a acessibilidade ao rapaz. Começara a entrar por ela desbastando um mato que ela sem saber, ergueu e ajudou a destruir. A emoção de estar apaixonada. Sentia-o por todo o lado. Inocentemente, rompia uma por uma, todas as barreiras de protecção ao seu interior. Que importava? Ele é de confiança. Aquele sorriso de tão lindo, não sai da memória. Mal tomou o pequeno-almoço, saiu antes que os pais acordassem. Ele não estava na esquina como combinado. Certamente adormeceu e adormeceu mesmo. Numa cama perto dali, o Mário ressonava descontraidamente. Claro que não ouve os telefonemas da Joana. Duas horas passaram e o lorde acordou. Olha vagarosamente para a janela e vê a luz amena do dia. Lá se levanta, empurrado por não sei quem. A água espalhada pelo rosto desleixado, finalmente dá-lhe vida. Veste a roupa dos dias anteriores e sai para a rua. Lembra-se que o melhor, é levar uma flor senão, nunca mais se safa com tão ingénua alma. Compra a rosa mais barata da Florista Cameira e segue triunfante. A pobre Ju lá estava, encharcada, toda feliz por o ver. Abraçou-o e beijou-o como se fosse a melhor coisa da sua vida. A flor ergueu uma ponte, da mais resistente pedra sobre bases do mais suave algodão. E assim foram de braço dado. Pelo caminho, ele ia gorgolejando elogios banais que nos ouvidos da paixão, caíam como versos requintados da mais sumptuosa poesia. Que bela é a paixão! É? Lá foram para o monte de Santa Catarina, cada um com o seu tipo de felicidade. O rapaz sorria com a facilidade que a paixão lhe trouxera. Que maravilhosas são as mulheres pela sua característica da entrega baseada em pressupostos incógnitos.
Um belo e pequeno rochedo quadrado, jazia no meio de eucaliptos. Assim se sentaram. Assim se beijaram. Elogios básicos ecoavam por todo o lado. O barulho do encantamento dela ensurdecia o coração da sensibilidade. Perguntas de amor encontravam respostas ilógicas. Claro que te amo! Claro que te amo! E a raiva da racionalidade disparou a chuva sobre eles. Tentou afogar aquele fogo maldito construído por jogos maquiavélicos involuntários da existência. Não havia nada a fazer para impedir. Os corpos rebolaram descontrolados pela lama. Sofregamente satisfaziam sentimentos de ilusão. Pequenas pedrinhas e galhinhos magoavam-nos mas, a anestesia corria-lhes nas veias. Gritos ruinosos estremeciam os seres silvestres. E o fogo lá apagou. E as brasas remanescentes lá vieram. Deitados, ofegantes, sobre a bela pedra, olhavam as copas eucaliptais. Devagarinho, gota por gota, a água chuvosa ia arrastando toda a sujidade que aderira às peles fumegantes. Ela diz que quer casar com ele. Ela diz que não pode viver sem ele. Ela diz que o ama, mais que tudo na vida. Ele pensa que ela já está a ir pelos caminhos errados. Ele pensa que ela está a ficar demasiado dependente. Ele pensa que o melhor é acabar com toda aquela pressão. Masculinamente pergunta se foi bom, conseguindo assim, desviar o assunto para ver o resultado. Ela acenou afirmativamente e voltou ao assunto. Joana, tu não sabes jogar este jogo. Já perdeste! Saíram dali. Ela dormiu com ele no apartamento. Acordou em seus braços. Passearam alegremente pela cidade. O Mário tratou-a muito bem. O Mário despediu-se, beijando-a. O Mário nunca mais foi visto por ela. A Joana aprendeu um pouco mais sobre as pessoas. A Joana sofreu bastante. Os meses passaram. Ela notou algo diferente. O seu corpo mostrava-lhe o que ela não queria ver. Uma criatura descia à terra sem ter sido encomendada. Reuniu todas as suas economias e saiu de casa, antes que alguém soubesse. Viveu, viveu e viveu. Ai se viveu… E chegou o dia! Nasce ao mundo a Catarina! Um milagre ter sobrevivido pousada no cimento frio, enquanto a mãe acordava do desmaio num viaduto qualquer da estrada de Barcelos para a Póvoa de Varzim. Quando acordou atou o cordão umbilical com o fio dos seus sapatos e rompeu-o manualmente. Sem se preocupar consigo, embrulhou-o no seu casaco e seguiu nua pela noite fora, sangrando, até à casa dos seus avós e lá deixou a resistente Natália. Os humildes velhotes acordariam no dia seguinte, sem saberem o seu parentesco com tal descoberta, e a receberiam e tomariam conta dela como se fosse sua neta. E era. Perece a bela Joana, passadas umas horas, nua e sozinha a um canto, dentro de uma casa em ruínas com uma morte directa de placenta não retirada e indirecta de paixão. Ali ficou um corpo de vida, rodeado de escombros e aí, muita carne tiveram os ratos. Joana…
Catarina, resistente, afasta o frio de si durante toda a noite. Resiste na caixa de cartão envolvida pelas roupas sujas e rotas de sua mãe. Horas passam, a porta abre-se, os espantos aparecem, os planos de sua mãe, uma vez na vida correram bem... Catarina cresceu, e cresceu muito. Uma força da natureza. Revoltosa era a mais doce das raparigas mas, com a força de um furacão, destroçava corações e defendia-se fortemente contra todos os que ousavam desafiá-la. Ninguém domava a Catarina. O seu avô morreu cansado de tantos anos de trabalho árduo. A sua avó seguiu o mesmo caminho. A Catarina ficou só. Cabelo castanho alourado. Olhos doces de melaço. Muito alta e bem constituída. Ela é a cobiça de qualquer homem.
O Ricardo é um rapaz estúpido. Tem tudo o que quer e salta de cama em cama. Tem o dom de apaixonar, com o seu estilo moderno e a boa aparência que tem. Elas vão girando, uma por uma, sem qualquer ordem ou seriação. Ele gosta de viver assim e não quer saber dos sentimentos dos outros. Catarina há anos que repara nele. Catarina está apaixonada por ele. Catarina tal como quase todas as mulheres, não aprendeu o que é o amor. Catarina só conhece a paixão. Ela pensa que é a paixão que envolve a magia e tudo o que é bonito numa relação. Ilusão, Catarina. Ilusão! Catarina não poderia ter vivido sem já ter sido vítima de tal rapaz. Assim foi, assim deixou de ser, assim voltou a ser, e assim continuou vezes sem conta. Desculpas tão disparatadas justificavam os afastamentos, as aproximações e até mesmo as outras que ela ia descobrindo estar também no jogo… Um dia conheceu o Jorge. Aparecido não se sabe de onde. Uma doçura de rapaz cheio de valores e firmeza de atitudes. Jorge é homem e nunca poderia ter ficado indiferente à beleza da Catarina. Ele gostava de tudo nela. Ele idolatrava os seus defeitos e adorava as suas virtudes. Catarina não sentia nada de mais por ele. Friamente, atirou-o para o saco dos amigos mesmo sabendo todos os sentimentos nobres que ele reunia por ela. A Catarina é uma tonta. Assim continuou como uma parvinha babada por quem não a merecia. E ele tentava as aproximações. Explicava-lhe com o a maior cariz racional, todo o plano sentimental que o envolvia. O pior era que Catarina podia resistir ao Ricardo. Bastava querer. Mas não resistia. Resistia sim ao Jorge. Ele confundia-a porque ela, sabia ver que ele sim era um homem em condições mas, desculpava-se a si própria que não foi ela que decidiu, mas sim o coração. O coração Catarina? O coração? O Ricardo fez-lhe um filho e desapareceu. Catarina deixou os estudos e ali viveu na casa que os seus avós lhe deixaram, com a criança. O Jorge era muito amigo dela e no fundo, agia como pai da criança. Ele trabalhava e investia todo o seu dinheiro nela. Dava-lhe todo o seu carinho. Os anos passaram. Ela nunca assumiu um verdadeiro compromisso com ele. No fundo usava-o como o único conforto que lhe estava acessível. Claro que o Ricardo acabou por voltar... Ele viu-a mais bonita que nunca. Ele não iria desperdiçar mais uns momentos de prazer junto de tão requintado corpo. Afinal de contas, ele sabia bem que ela nunca o esqueceu e que continuava nas suas mãos. E assim foi, ela às escondidas, voltou a cair nele e nas suas desculpas. Tinha voltado mais maduro e assumiria agora a criança e tomaria conta da sua família… Pois… Ela contou ao Jorge e pediu-lhe para abandonar a casa porque não era a ele que o amava. Jorge saiu, perdido. Os dias passaram. O Ricardo andava como um rei no seu território. Tinha tudo o que queria. Era tratado como um deus pela Catarina. Ricardo sabia que a partida não demoraria muito mas, queria gozar ao máximo aquela estadia. Um dia passeavam num belo descampado, longe de tudo e todos e apareceu o Jorge, sem se saber de onde. Banhado em lágrimas disse-lhe: “Com ele, são as coisas lindas como a paixão de adolescente e a irresponsabilidade e desculpa, se apenas te posso dar as coisas chatas como a honestidade, segurança e estabilidade mas, lembra-te sempre de uma frase, antes de decidires entre mim e ele. Posso não fazer arder o teu coração mas, nunca o despedaçarei!”. A Catarina começou a chorar porque ela sabia que estava a proceder errado. Foi ter com o Jorge e abraçou-o. Beijou-o. Pediu desculpa. E sempre a olhar para trás seguiu para o Ricardo…

Catarina? Como te atreves? Sou eu quem escreve esta história! Sou eu o criador do enredo e atreves-te a permitir tal desfecho? Enfureceste-me e vais pagar por toda a tua imaturidade e insanidade sentimental! Agora vais aprender que a magia está no amor e que o amor nada tem a ver com a paixão!

Os céus tornaram-se vermelhos de sangue. As nuvens afastaram-se e um buraco gigantesco abriu-se no céu. O Jorge e o filho da Catarina desapareceram simplesmente como por magia. A maior e mais assustadora das criaturas saiu do buraco. Ela e o Ricardo olham apavorados. Com guinchos estridentes ouve-se o horripilante monstro proferir “Catarina a paixão foi criada por mim para contaminar os sentimentos humanos. No fundo vendeste-me a tua alma. Seguiste o seu caminho e agora, o caminho do seu criador seguirás.”. Com um braço gigantesco e umas garras lânguidas, despedaça aqueles dois corpos irritantes e com um murro megalómano, enfia-os pela terra abaixo.
Fim!

sábado, setembro 17, 2005

Facas

Ela esperava ansiosa. Na face surgiam resmunguices matinais, stress pré-saída, mas, escondia toda a bela felicidade de um dia que será bem passado. Enérgica, pressiona-se a não deixar nada. Entrou no carro e, mais depressa do que o “Olá. Bom dia.” foi a saída apressada e agressiva para procurar a máquina fotográfica esquecida. O sol dá ares da sua graça e encandeia um céu enorme de branco azul. Ela entra e sem dizer nada pede por telepatia para não a incomodar e muito menos olhar para ela porque acordou há pouco. Acho que ninguém se dá ao trabalho de apreciar a beleza de um momento pós-acordar. Ela perde-se em toalhetes, cremes e bocejos, escorrida pelo banco abaixo. Dez quilómetros passados e aparece o famoso “Então? Dormiste bem?”. Abano a cabeça afirmativamente. Vinte quilómetros passados e o acordar está quebrado. Lentamente a atenção foca-se em mim. Palavras encadeadas são agora entrelaçadas, correspondidas, seriadas e trocadas. O discurso termina automaticamente aquando da ousadia em repreender-me a condução. Olhei para ela veemente e encerrei conversa, abrandando. O primeiro refrigerante do dia bebido numa tasca. Um velho barrigudo sentado à porta prepara-se para assim passar o seu dia, vendo uns carros a subir a montanha. “Vamos?”. ”Sim.”. Os numerosos maciços cavalos empurram o carro montanha acima. Travo controladamente para salvar um porco que se tinha soltado de um curral qualquer e que agora parava no meio da estrada. Bem grande.
Até está tudo a correr muito bem. Ela está contente por isso, eu também estou, por contágio. O maldito rádio escolhe as músicas. Aproxima-se a terra da Estátua do Basto. A praça da largada dos touros ainda não está pronta. Lá está o Basto zeloso, como sempre. Aproximo-me da curva para o paraíso que poucos conhecem. A velha ponte de pedra sustém-nos impelindo-nos para o outro lado. A vegetação acabou. Dez quilómetros de aridez. A pista de aterragem, construída há dois anos em terra para os aviões de combate ao fogo, está agora inútil pelos regos que as chuvas do ano passado rasgaram. Ao longe vemos os montes queimados e vulgarmente, evidenciamos a desgraça do país. Aproxima-se o destino. Progressivamente penetramos o antigo lugar da trituração real. Longos canais de água delineiam o exclusivo ambiente. O mundo agora é outro e as árvores são especiais. Pena que ela não consiga absorver tal potência sensitiva. Inspiro um bom volume de ar e expiro simetricamente. “Vamos?”. ”Sim.”. O som do fechar do carro ecoa no infinito. Não se vislumbra vivalma. Ali existem pedras e árvores. Apenas isso. Pedras e árvores. Perfeito.
Estamos deitados em cima da mesa de madeira grande. Os nossos olhares violam-nos, mutuamente. Sempre gostou de me despentear. Eu na altura também gosto mas, a ideia muda frente a um espelho qualquer. Acima de nós, elevam-se troncos de dezenas de metros da bela madeira riga. É tudo tão calmo e silencioso. Apenas se ouve o balbuciar do vento, acima das árvores, como um burburinho que se dissolve e contamina o ar. Finalmente suspiro. Tardou. Maldita impossibilidade de satisfação. Puxo-me para a frente e sento-me na beira da mesa. Sinto os seus dedos a calcorrearem-me as costas. Ela tem jeito. Esfrego a cara entre as mãos. A agitação mental retorna e impele-me a renovar algo rapidamente. Contrariada, lá se levantou e seguimos, floresta fora. Encontra-mos um moinho pequenino de pedra. Aproximamo-nos para apreciar tal secular estrutura. A portinha de madeira estava aberta. Estranho. Pensei que eles estivessem sempre fechados. “Entramos?”. “Sim. Se quiseres.”. Empurro a porta vagarosamente e entramos naquele ambiente escuro. Ali dentro cresciam heras e a terra tinha invadido o interior, nada de mais, exceptuando um alçapão aberto recentemente e que convidava mentes curiosas a entrarem para a cave. Claro que o macho poderoso não ia descer degrau a degrau a velha escada de ferro por isso, num belo salto de austeridade parto um pé ao assentar numa pedra lodosa da humidade. Ali fico sentado a resmungar. Ela desce rapidamente e chega cá em baixo e nem para mim olha. Instantaneamente enervado berrei que parti um pé ao qual ela logo me diz que espere. Ebulição automática. “Estás maluca? Eu não me consigo levantar!”. Ela diz-me que em cima da velha mesa de pedra repousam centenas de facas de todos os tipos e feitios. Loucamente, agarro-me às paredes e levanto-me para olhar, incrédulo, tal berrante cenário. Incrível! São mesmo centenas de facas de todos os tipos e feitios. Grandes pequenas, recentes, antigas, enferrujadas, novas a brilhar, partidas, cutelos… Os dois corações palpitam agora descontroladamente. Ela tenta ajudar-me a sair dali para fora o mais rapidamente possível mas, não tem força para me empurrar pelas escadas acima. Ainda por cima nesta zona não há rede para nenhuma operadora de telemóveis. “Toma as chaves e vai rapidamente chamar alguém que nos ajude.”. Lá a vi subir…
Ali estavam facas incrivelmente perfeitas e certamente caríssimas. Por que razão estariam ali? Seria ali o covil secreto de algum carniceiro malévolo? Um arrepio estremeceu-me o corpo. É então que olho para cima e vejo dezenas de buracos nas paredes com bonecos de trapos que me olham fixamente. Todos de todos os tamanhos! Perfeitamente horripilante. Que significariam? As cabeças todas orientadas para mim a toda a volta. Alguém entrou lá em cima. “És tu?”. Vejo umas botas enormes descerem as escadas em ferro. Agarro rapidamente em dois facalhões e preparo-me para luta brutal. O velhote olha para mim assustado e pergunta-me o que estou ali a fazer. Pede-me que baixe as facas pois a intenção dele não é fazer mal a ninguém. Pouso uma ficando com a da mão direita por segurança. Pergunto-lhe se ele não faz mal a ninguém então qual a razão para ter a maior quantidade de facas alguma vez vista. Ele sorrindo diz que trabalha na fábrica de cutelaria da cidade e que sempre que alguma faca sai com um pequeno defeito, o patrão dá-lha e ele traz para aquele moinho que já é da família há muito tempo. Coleccionador de facas. Nunca imaginaria tal. Mais calmo, peço desculpa por ter entrado furtivamente e digo-lhe que tenho o pé partido e que preciso sair dali. Mas. E os bonecos? Que significam? Os bonecos são tradição da região. Antigamente usavam-se para protegerem as casas e para darem sorte. Pousei a faca olhando mais descansado para o pobre velho. Afinal de contas que poderia aquele minúsculo homem fazer contra mim? Preocupado, pergunta se estou bem? Ela acaba de chegar e não encontrou ninguém. O velho olha para ela e ela olha para mim. Diabólica sorri para mim e acena positivamente com a cabeça. O sinal único que só eu conheço. O sinal da irrupção da sua escondida força demoníaca. Um seixo rapidamente deixa inconsciente o velho homem humilde. A perna recupera. Afinal, não parti nada, foi um leve mau jeito. Devagarinho colocamos o pobre homem na mesa por cima das facas. Com umas correntes ferrugentas abandonadas a um canto, amarramo-lo inabalavelmente à enorme mesa de pedra. Tu vais procurar galhinhos que eu vou ao carro. Assim fomos. O garrafão bamboleava ao sabor do movimento do meu braço. Era bizarro. A sonoridade repercutia como que se levasse um oceano engarrafado. Quando cheguei, ela já tinha um círculo de ramos secos em torno do velhote. Para estas coisas ela não perdoa e é mesmo muito rápida. Ali passaram duas horas até o homem acordar. Não teria graça sem a sua perfeita consciência total. Esperneou mas, estava muito bem amarrado. Abri o garrafão e verti um gole no chão exalando o forte aroma a querosene perante o terror da pobre vitima. O cheiro do combustível enovelava o ar como que pedindo a sua presença comburente. É inexplicável a riqueza de sensações que o homem emana. Ela não consegue sentir tanto. Apenas ambiciona um bocado de mal para conseguir retornar à sua bondade remanescente. Mas eu, eu vivo as sensações dele. Aquele gigantesco descontrolo hormonal. Ela aproxima-se de mim sedutora, faz-me uma festa na face e começa a despir-se. Eu ajudo-a. Desaperto o seu casaquinho branco e fresco de verão. As peças de roupa dela são sempre delicadas e levezinhas. O soutien branco resplandecente não esconde a beleza daquele peito que tantas horas de trabalho me cobrou aos olhos. O homem amainou. Olhava agora para ela extasiado. Agarrei-a por trás e soltei o botão que prendia as minhas calças preferidas nela. Brancas. Claro. Brancas. Só poderiam ser brancas. Num ápice escorregaram-lhe pelas pernas abaixo. O homem estava visivelmente muito excitado. Ainda estou por trás dela. As minhas mãos agarram-lhe firmemente os seios e descem até ao seu ventre e até ao seu fim. Ela solta um leve gemido. Ajoelho-me perante ela. As suas mãos agarram maldosamente os meus cabelos. Com os dentes abocanho a renda branca e faço-a descer devagarinho. Contemplei tantas vezes aquele ambiente e, ainda assim me fascina. A perfeição daqueles caracóis. A dedicação na precisão da depilação. É de apreciar todo o esmerar daquela alma para agradar a quem a vê. Afasto-me preparado para ver a sua força. O velho não sabe o que pensar. Ela com os seus dedos finos desaperta-lhe a camisa suja do trabalho. Com uma faca despedaça-a em numerosos bocados de tecido. Um peito cansado pelo tempo aparece. Cicatrizes revelavam um passado difícil e árduo. Cabelos grisalhos enrolavam no seu peito. Suor nascia na testa dele. Ela, altivamente, sobe para a mesa. O velho, mexe-se, impotente. Ela acocora-se perto dele abrindo as suas pernas. O homem aceleradíssimo emana desejo misturado com terror. O olhar dela é assustadoramente belo. Aquelas feições divinamente carregadas. Ali estava ela, a minha ela, aberta a um homem indefeso. Vai começar a cobrança. Tudo tem um preço e ele iria pagar certamente. A sedução agora era agressiva e claramente indomável. Agora restava apenas o descontrolo do monstro mais belo do mundo. Sorrindo verte algumas gotas sobre o peito do homem e acende um fósforo. A adrenalina dele foi disparada no sangue como se as artérias fossem pistões. O fósforo ardeu até meio. Ela esperava atenta pelo desespero do homem e apreciava, delirante, todo aquele momento. O homem sossegou acreditando que ela não faria tal loucura. Ela pousou a chama propagando-a pela carne. Os gritos de horror estremeceram as paredes. Ele contorcia-se loucamente. Reparei que fendas, bêbedas de sangue, abriam-se nos pulsos e pernas onde as correntes estavam. Ela, humilhando-o, urina-o apagando o fogo da sua dor. A carne fervia-lhe. Lamentava-se e chorava. Ela aproximou-se ainda mais e urinou-lhe a face e afastou-se. Desceu. O homem cuspiu e proferiu insultos para um ar que insistia em não o ouvir. Estava muito violento e revoltado. O fogo não teve tempo para provocar mais que um leve ardor. Peguei no garrafão e despejei-o nele ensopando-o. Acendi outro fósforo. O homem entrou em choque. Foi sem duvida o maior terror da vida dele. Só se via desfigurado ou morto. Em segundos viu a vida perto de lhe fugir. Apaguei o fósforo. Soltei as correntes ao agressivo homem e afastei-me. Ele avança para mim ameaçadoramente. Olha para mim e como uma hipnose pára imediatamente e corre para um canto oposto. Olho um pouco mais para ele. Com um lenço perfumado seco-a e limpo-a do seu prazer e visto-a. Ela abraça-me carinhosamente e sobe. Olho uma última vez na direcção dele e subo. Cá em cima seguimos pelo bosque encantado. Adoro mesmo aquelas calças brancas. Ela torna-as únicas. Lavamos as mãos no pequeno fontanário junto ao viveiro dos faisões para anular o aroma a combustível. Fizemos a viagem com muita calma e sossego. A noite foi especialmente carinhosa. Os meus olhos brilhavam, reluzentes, no escuro. E o seu sono ressoava. Ressoava pelo mundo… Sim. Eu sabia que seria um dia bem passado.

domingo, julho 31, 2005

Pois

Pérfido é o lamento
Do teu grande momento,
Construído no contratempo,
Com a teimosia de um jumento
E a força vivida de um juramento.
E em ti, os sonhos do meu tormento!

Como a pequena criança
Fascinada com a aliança
A um rapaz de confiança
Na junção de uma dança.

Mas tudo tem um senão,
Que faz perder na razão
O sentimento de evasão
Perdido no meu coração.

E duas lágrimas correm,
Em pancadas que doem!
Esperanças não fogem e,
Batalhas nunca morrem!

Por isto e muito mais
Alguns crescem sem pais,
Abandonados como os animais,
Entregues a tormentos surreais,
Por mentalidades fortes de ideais
Enquanto as velas ardem em pedestais.

E…
Enquanto o vencido dorme refastelado,
O lutador ganha o terreno encantado!

Dois

Foi no mar alto que te encontrei
E banhado em esperanças te mostrei
Em águas perdidas de probabilidades
O mundo precioso das dualidades

Fascinado, procurei saber respostas
Fui caçado na segurança das propostas
A sensação na minha mão era indescritível
Baseado na existência natural do possível

O sol rompeu no céu e levou a chuva da lua
Um coração mais forte transpira agora por ti
Beleza do simples complicado bem-estar!

Como crianças correspondemo-nos
Leves crises de ciúmes preenchem-nos
Gigantescas manifestações de amor
Pequenas verdades em sentimentos de ardor

Picos de cactos amolecem ao passar da tua mão
O teu alimento é como o mais nutritivo pão
Curandeira das maldades do passado
Quero acordar nos inícios de noite a teu lado

O sol rompeu no céu e levou a chuva da lua
Um coração mais forte transpira agora por ti
Beleza do simples complicado bem-estar!

Vem ao encontro dos meus braços!
Suavemente e sem erros crassos…